BIS135.8 A Justiça é a mais formosa das amantes

Tony abraçara Sue pela cintura e procurava-lhe afanosamente os lábios para beijar-lhos. Ela propinou-lhe um encontrão e afastou-o.
— Maldito sejas, Tony Salinger! — gritou com ira, os olhos cinzentos flamejantes. — Como te atreves? Tu, asqueroso assassino?
O jovem corara, facto a que não era alheio, tirando a paixão amorosa, o uísque que ingerira, e atirou-se a rapariga.
— Vou domar-te, ferazinha! — silvou. — Quem pensas que és? O teu pai foi um borracho e o teu irmão um assassino de velhos. Por que te dás tantos ares?
Sue retrocedia, mas ficou aprisionada num canto. Tony soltou uma gargalhada.
— Já viste? Sempre se chega a um ponto em que já não é possível retroceder.
— Matar-te-ei, Tony; farei com que te arranquem a pele a chicotada.
— Vamos, vamos. Eu só quero que repares no que sinto por ti, Sue. E serás uma idiota se não aproveitares a oportunidade. Ouve...
Tocava-lhe. Ela podia ver o diabo da luxúria retorcendo-se no fundo dos negros olhos do rapaz. O seu bafo era ardente, como o de um animal com cio.
— Posso fazer um pacto contigo, Sue. Quando forem pendurar o teu irmãozinho, impedirei isso com os meus homens e fá-lo-ei sair da região. Hem? Ninguém te dará mais pela pele dele. Mas tu...
Apertou-a nos braços. Sue levantou uma perna e incrustou o joelho entre as virilhas de Tony, que deixou fugir um berro e se inclinou para trás, momento que a jovem aproveitou para escapulir-se.
Lívido, fora de si, o dom-joão foi-se recompondo. Gotas de suor escorriam-lhe pela testa.
— Vou-te... Juro que te vou...
Correu atras dela e apertou-a contra a mesa. Sue esbofeteou-o e deu-lho pontapés nas pernas, mas Ton não afrouxou a sua pressão. Por fim a rapariga mordeu-lhe com ferocidade uma das mãos.
Salinger Júnior soltou novo grito. A sua cólera subiu ao rubro branco. E bateu com sanha na sua vitima, se se importar já que fosse mulher e estivesse indefesa.
Foi esse o momento escolhido pelo juiz para fazer a sua entrada.
O apaixonado moço não se apercebera do anormal silêncio que reinava la fora, quando seria natural que aparecessem os seus homens ao ouvir a luta que sustentava.
Roy arrastara consigo vários amigos e conduziu-os, juntamente com o juiz, de modo a cercarem a quebrada e a tomarem de surpresa a cabana.
E ali estavam. Bornac, uma vez dominados os bandidos de Salinger, após meterem-lhes os canos das carabinas nas costelas e porem em liberdade os companheiros de Roy, precipitou-se para dentro de casa.
O quadro que se ofereceu a seus olhos revoltou-o a ponto de converte-lo numa fera.
Fosse outra a jovem maltratada e sentiria o mesmo, porque o espetáculo mais repugnante aos olhos de um verdadeiro homem é ofender as mulheres.
Caiu sobre Tony e agarrou-o por um ombro, obrigando-o a voltar-se. Durante instantes, o jovem, não o reconheceu. Depois tornou-se intensamente branco.
— Porco! — cuspiu o juiz.
E assestou-lhe um violento murro no meio da cara, como se quisesse esborrachar-lha, converter-lha em polpa.
Mas Tony desviou a cabeça rapidamente e o golpe alcançou-o apenas de raspão, embora o fizesse girar como um pião e voar ate um canto do aposento.
O seu corpo chocou com o armário e as tigelas que este continha dançaram e algumas partiram-se. Mas conseguiu segurar-se a tuna das esquinas e sacudiu a cabeça para recompor-se.
Quando já começava a ver claro, o seu inimigo deu um salto e aproximou-se.
— Vou partir-te um a um todos os ossos!
A mulher retirara-se para, um canto e contemplava a cena com um misto de espanto e de ansiedade. Viu o juiz embeber os punhos uma e outra vez no corpo de Tony e sacudi-lo como uma pela.
Largou-o e parou de bater. Parecia espiar as suas reações, esperar que se refizesse para fazer-lhe sentir de novo o castigo. Tony baqueava e os braços pendiam--lhe, flácidos, inertes.
Mas, de repente, precipitou-se contra o outro homem e desfechou-lhe uma cabeada no peito, obrigando-o a retroceder. Depois pulou com agilidade por cima de uma cadeira derrubada em direção a porta.
O juiz atirou-se-lhe as pernas e deitou-o ao chão. A cabeça de Tony embateu na porta com fragor. Mas tinha o crânio duro.
Mal tocou o solo, saltou sobre o adversário e deitou--lhe as mãos ao pescoço. Mas foi projetado pelo poderoso   arqueamento do espinhaço que cavalgava e deu duas voltas sobre as suas contas, no afã de fugir.
Pôs-se de joelhos e olhou com louco terror as pontas das botas de Bornac que se lhe pusera diante e o esperava.
Carregou polo meio, com desespero, disposto a destruir a implacável figura. Mas encontrou-se com uma joelhada que lhe esborrachou o nariz, do qual o sangue começou a jorrar.
Aquilo acabou definitivamente com a sua razão. Como as belezas oficiais, o peralvilho tremia pela conservação do seu físico. A descoberta de que pretendiam desfigura-lo punha-o fora de si.
Com um grito penetrante, infra-humano, pôs-se em pé e atirou-se para a frente, descarregando murros no ar, sem ver, cego de dor e de raiva.
— Por favor... — gemeu Sue.
Mas Bornac encontrava-se também dominado por uma febre que o tornava implacável, brutal.
Com um soco direto deteve-lhe o avanço e deixou ir o seu outro braço em curva, num gancho esmagador, que acertou cm cheio no queixo de Tony.
Este ergueu-se a um palmo do solo. Antes que o tocasse de novo, recebeu um terceiro murro em que Bornac enviou todo o seu peso e que lhe meteu dentro o epigastro, dobrando-o e quase lhe arrancando as tripas pela boca.
Se não aconteceu isso, pelo menos Tony começou a vomitar como uma mulher gravida, encolhido, esticando--se a cada arranco e comprimindo-se seguidamente.
Oferecia o espetáculo mais desagradável que se possa imaginar, com a tez amarelenta e os olhos fora das Orbitas, o cabelo revolto e sujo de porcaria.
O juiz agarrou-o então pelo pescoço e esfregou-lhe o rosto nas suas pr6prias fezes.
— Deixe-o, deixe-o agora! — gritou Sue, que se aproximou para agarrar Bornac.
Pouco a pouco este foi-se recompondo da sua vertigem e virou-se para olhar a rapariga. Notou então que o fitavam com espanto Roy e os seus companheiros, que havia um bocado se encontravam dentro da sala.
— Levem-no daqui — ordenou com voz sibilante que a si mesmo surpreendeu. — Ponham-no a caminho e que vá para a cidade a pé. Talvez lhe faca bem que o vejam nesse estado.
Entre Zac e um peludo, de potentes ombros e braços compridos, carregaram o arruinado Tony Salinger e tiraram-no de casa.
Sue disse:
— Foi muito oportuna a sua chegada, juiz. Mas talvez não fosse necessário tanto alarde. No fim de contas, também sei defender-me.
Havia tal incongruência na sua afirmação que Bornac esteve tentado a imitar o derrotado Tony e a propinar uns acoites a cabeçuda criatura. No entanto dominou-se e um sorriso distendeu-lhe os lábios finos.
— Bem vi.
Ela observava-o de modo especial, que teve o condão de pô-lo um pouco nervoso. Parecia ter descoberto o sentimento que lhe inspirava.
Por um momento, pela imaginação do juiz atravessou a ideia de que, se Ben fosse absolvido, talvez ela desistisse do seu ódio. Mas quase imediatamente o invadiram em aluvião as suas recordações.
Nao tinha sequer o direito de pensar naquilo. A simpatia que a formosa mulher despertara no seu corarão estava tao fora de propósito como o incómodo que pudesse causar-lhe um sapato apertado durante a apreciarão de uma causa.
«A Justiça e a mais formosa das amantes, mas não admite rivais. Quem se consagra a ela, tem de morrer abraçado a sua perfeição, como uma espada de luz que atrai e fere ao mesmo tempo».
Roy murmurava qualquer coisa ao ouvido da rapariga e ambos tinham os olhos cravados nele. Sue foi ao seu encontro.
— Roy disse-me que o senhor atacou e venceu «Seis Dedos». Porque? Que espécie de farsa traz entre mãos? Todos sabemos que Salinger o mandou vir e que esta decidido a tudo desde que o seu precioso rebento não sofra dissabores.
O juiz abriu a boca para explicar o que sucedera e em que ela fora parte importante, mas fechou-a sem articular palavra. Acaso tinha aquilo sentido em semelhantes circunstancias?
— E se experimentasse acreditar em mini? — foi o que disse.
— Como? Pensa que não estamos informados das suas tram6ias, da serie de criminosos que livrou da forca ou dos infelizes que mandou para ela, a troco de dinheiro? Salinger pagou-lhe, juiz, não nos resta duvida. E Salinger quer que o senhor lhe garanta que meu irmão será enforcado.
— Tem razão... até certo ponto. Mas imagine que eu... não concordei com o prego, ou que resolvi portar--me bem...
Sue sacudiu os dourados cabelos num gesto de impaciente irresolução.
— Bem. Pois sinto ter de dizer-lhe, juiz, que não podemos competir em preço com Salinger... se é isso que procura.
Bornac sentiu apoderar-se de si um desespero sem limites. Notava que eram inúteis os seus argumentos. Mais do que eles contava o seu historial e o facto de ter sido mandar chamar por Salinger.
Encolheu os ombros, resignado a não discutir.
— Está bem. Mas lembre-se de que, seja como seja, hei-de julgar seu irmão. E o melhor é que me preste toda a sua ajuda.
— Em quê?
— Essa historia do desaparecimento de Rosy, a filha de Potter, parece-me cada vez mais estranha. Quero visitar o local, ou seja, a cabana onde se praticou o crime, e também o ponto onde viram o seu irmão pela primeira vez.
Sue, que se notava visivelmente não entender a atitude do juiz, deitou uma olhadela a Roy e, em seguida, ergueu-se desafiante.
— Se pensa que...
Mas Bornac interrompeu-a bruscamente: — Deixe-se de parvoíces! — berrou. — Terá de confiar em mim, por mais que lhe pese. E a sua única probabilidade. Essa ou o linchamento.
— Mas eu não quero que...
Bornac aproximou-se dela e inclinou-se para dizer--lhe:
— Ainda não compreendeu? Ben, seu irmão, já está condenado. Qualquer juiz o absolveria, de acordo, talvez por falta de provas. Mas Salinger é quem dita a sentença e, de uma forma ou de outra, será pendurado de uma corda. Para que Salinger tenha as mãos atadas, é necessário que se demonstre com toda a espécie de provas a inocência de Ben e, evidentemente, a culpabilidade de Tony. Compreende agora?
Ela não respondeu. Por força a sua intuição feninhinha lhe descobriria a poderosa atracão que exercia sobre o juiz, mas não conseguia perceber com clareza as suas intenções, visto ele nada lhe pedir.
Roy interveio naquele momento.
— Juiz, estou pronto a acompanha-lo a cabana de Potter. não fica muito longe daqui.
Em silencio, a jovem viu-os sair. La fora encontravam-se ainda os homens de Salinger que tinham ido a quebrada na companhia de Tony. Entre eles, viam-se os dois gorilas da noite anterior.
— Que fazemos deles, Roy? — perguntou o jovem do cabelo cortado as tesouradas.
Roy olhou para Bornac e este respondeu:
— Atem-nos em cadeia e dois de vocês conduzam--nos a pé até a cidade. O passeio acalma-los-á durante uma temporada.
— Ouviram, rapazes? — indagou o anão com petulância. — Em marcha!
Por seu turno, uma vez que o juiz e ele já se encontravam a cavalo — um dos quais emprestado para o efeito por um dos companheiros apontou para o fundo da quebrada, e os dois animais trotaram durante meia hora.
Atalharam por um desfiladeiro coberto de altos pinheiros e de abetos, em cujo centro se divisava o serpentear de um arroio.
Subiram por uma das encostas, desceram um grupo de rochas, com moitas de mimosas entre elas, e empreenderam a descida da encosta de outro desfiladeiro ainda maior do que o primeiro.
— Aquela é a cabana de Potter — apontou Roy para um lugar coberto de arvores. — Era um tipo esquisito o velho. Contava-se que foi mineiro em Nevada.
— E vivia aqui sozinho com a filha?
— Sim. Na realidade, Rosy, como acontece com Sue, podia fazer as mesmas coisas que qualquer homem, ou ainda melhor. Sabia manejar todo o género de armas, montar a cavalo e seguir uma pista. Em pequenos, elas duas e Ben eram inseparáveis, e conheciam estas paragens como as palmas das suas mãos.
Aproximaram-se do sitio indicado pelo baixote. Assemelhava-se a uma plataforma rochosa, muito ampla, ao fundo da qual se erguia a cabana, feita de troncos por aparelhar.
Sem dúvida, tratava-se de um lugar agreste, de selvagem beleza. O juiz e Roy atravessaram o pequeno terreiro que se estendia diante da tosca vivenda e penetraram nesta.
— Potter estava estendido aqui dentro, com a cabeça desfeita.
Os olhos do juiz percorreram todos os cantos do aposento. Os objetos e os móveis que continha encontravam--se em ordem.
— Isto achava-se assim ou arranjaram-no depois? —interessou-se.
— Não. Ninguém lhe tocou.
— E o quarto de Rosa?
Passaram a ele. Era uma divisão mais reduzida, onde se combinavam certos elementos modernos com os da mais pura vida selvagem. Peles de animais, castores e lontras, cobriam o leito e as paredes; como cabides, viam-se penduradas cabeças de veados, iguais às existentes na sala principal. E tudo como se acabasse de ser arrumado, embora houvesse pó sobre as coisas, o que provava a ausência dos moradores.
— A ideia acerca de como se praticou o crime —comentou Roy, que assumira o papel de informador —, é que Ben entrou bêbado na cabana e se meteu pela certa com Rosy, que encontrou sozinha. Então, a rapariga fugiu de casa. Foi nesse momento que chegou o velho e que Ben o golpeou, matando-o. Depois, saiu à procura dela e suspeita-se que deve tê-la encontrado e assassinado também. Por isso tinha o seu lenço. Deixou o corpo em qualquer parte do monte e os abutres e os corvos devoraram-no.
— Sim, talvez. Mas é surpreendente que um bêbado não tenha atirado ao chão nem um tacho. Quanto a Rosa...
O juiz cravou os olhos num ponto do quarto, no toucador. Havia um pormenor ali que lhe parecia incongruente, embora não soubesse qual. De repente caiu em si.
Aquele móvel, o tabuleiro superior especialmente, tinha pó como os demais, mas nalguns pontos notavam-se espaços limpos, redondos.

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