PAS783. Encontro de pistoleiro com uma gata selvagem
Lew viu Vanessa que, a cavalo, tinha estado a observá-lo.
— Vão recomeçar os insultos?... — perguntou Lew.
— Queria falar consigo... — disse ela, quase sem mover os lábios. — Mas não agora, nem aqui. Esta noite, às onze horas, do outro lado do cercado, junto aos álamos da sepultura de minha tia.
Depois esporeou o cavalo, que se dirigiu, a trote curto, para a entrada do rancho. Durante esses instantes Billy tinha ficado quieto, olhando-os rancorosamente, com a calva reluzente sob os raios do sol.
Às onze horas, Lew saiu sem ruído do cubículo onde dormia. Para alcançar o exterior, precisava atravessar uma esquina do dormitório comum, mas afortunadamente os peones, cansados por um dia de intenso trabalho, dormiam como pedras.
Era lua nova, e a pradaria mergulhara numa escuridão total. Os coiotes uivavam, a distância, e de vez em quando ouvia-se o mugido profundo de um touro.
Lew caminhou rapidamente até alcançar a cerca. Encostado a esta havia um túmulo, o da mulher de Cross, enquadrado por quatro álamos.
Ninguém estava ali. Lew fez um cigarro, às cegas, perguntando a si mesmo se não se trataria de uma artimanha da rapariga para atraí-lo a um sítio quase desconhecido para ele, a sós e às escuras. Não acendeu o cigarro. Não queria servir de alvo a um possível atirador escondido.
E então chegou até ele o perfume característico de Vanessa. Voltou-se e viu uma sombra a seu lado.
— Olá... — disse Lew, em voz baixa.
Ela não respondeu, durante um momento. A mão de Lew acariciava a coronha de um dos seus revólveres. Mas era Vanessa, não podia haver qualquer dúvida.
— Com quem está você?... -- perguntou a rapariga. — Com meu tio ou contra ele?
— Quantos anos tem você?... disse Lew, sem responder à pergunta.
— Como?... — exclamou Vanessa, desconcertada.
— Pergunto-lhe quantos anos tem.
— Que pode isso importar-lhe?
— Muito, para responder à pergunta que me fez. Deve ser muito nova. Uma mulher ter-me-ia perguntado se eu estava com ela ou contra ela.
— Tenho dezanove anos... — respondeu Vanessa, irritada.
— Não sou uma criança.
— O que eu supunha.
— Arrisco-me muito, vindo aqui... — disse ela, dando um passo em frente. Apesar de estarem muito próximos, a escuridão era tão intensa que ele mal lhe podia ver os olhos.
— Calculo isso. Por que o fez?
— Porque não tenho ninguém em quem confiar... —respondeu ela. — Ninguém.
Havia uma tal expressão de desamparo, nas palavras e no tom da voz, que Lew adiantou a mão até lhe tocar no braço. O suave contacto da pele fê-lo estremecer.
— Não a entendo... — disse. — Por que não experimenta explicar-se? Em vez de me injuriar, por que não me disse o que queria de mim?
Houve um silêncio.
— Se meu tio souber disto, provavelmente castiga-me, como já fez de outras vezes. Fecha-me. Oh! Sim, é o que ele faz. Já chegou mesmo a não me dar a comer senão pão mexicano, durante vários dias. Mas, na realidade, nada disso tem importância. Quando eu tiver vinte anos não poderá reter-me aqui mais tempo. Ele sabe isso. E você também o sabe, pode ir contar-lho agora mesmo, se quiser... Que só espero uma oportunidade para envenená-lo, para lhe pôr veneno na comida. Mas ele não se fia em ninguém, a não ser em Billy e nos seus índios.
— Você é uma gata selvagem... — disse Lew. — Mas é corajosa.
— Você... — disse ela, tocando-lhe nas costas da mão — ...não fala como um camponês.
— Venho de um lugar onde há muitas escolas... —respondeu Lew, secamente.
— Desculpe. Então poderá compreender o que eu sinto... Eu não odeio estas terras. Gostaria de viver aqui, mas odeio os homens que aqui vivem, e que sujam estas terras. Odeio meu tio, que me tirou de um colégio em Abilene, e me trouxe para aqui, e me contou as suas maquinações para se apoderar de todas as propriedades, como se fossem coisas muito engraçadas. Quase todas as terras me pertencem, porque eram de minha tia e de minha mãe, mas ele administra-as até que eu seja maior. Bem enganou o meu pai.
Calou-se. Havia amargura na voz dela. Lew apertou-lhe levemente o braço. O cheiro das ervas do campo e o perfume dos cabelos dela estavam a perturbar-lhe os sentidos. Sentia o sangue correr-lhe pesadamente pelas veias.
— Quando completa vinte anos?... — perguntou.
— No dia um de Junho do ano próximo.
Ela parecia, agora, falar com inteira confiança.
— Mas, de todos os modos, ele terá de prestar-lhe contas. Se vender as terras à companhia...
— Oh! Não compreende? Se eu chegar à maioridade na posse dos meus bens, em terras, ele nada poderá guardar. Mas se as vender antes... o dinheiro pode levar-se para qualquer parte, numa simples mala. E além disso há também toda essa pobre gente a quem ele quer comprar as suas propriedades a troco de uma côdea de pão, Como? Não lhe parece ainda que ele seja bastante patife?
Lew ficou calado, por instantes.
— Agora já me contou tudo. Julga que ele sabe das suas suspeitas?
— Ele? Julga-me idiota, ou pouco menos. Pensa que o meu único motivo de desgosto é ter sido tirada do colégio.
— E... — Lew acariciou-lhe distraidamente o braço —...que aconteceria se eu fosse, esta mesma noite, contar-lhe o que acaba de me dizer?
Sentiu uma rápida aceleração da respiração da jovem.
— Pode fazê-lo, realmente. Uma pobre mulher não tem maneira de impedi-lo, mas penso que a sua consciência, se é que um pistoleiro pode ter consciência, lho censuraria toda a vida. E ainda posso dizer-lhe outra coisa. Sabe o que pensa fazer meu tio, no caso de eu chegar à maioridade sem ele ter conseguido comprar todas as terras e vendê-las à companhia? Sabe?
— Imagino... — disse Lew, falando num tom involuntariamente mais baixo. — Desembaraçar-se de si, não?
Ela ficou calada, durante alguns segundos.
— Não é isso?... — perguntou ele, vendo que o silêncio se prolongava.
— Sim, mas não da maneira que julga. Não me mataria para herdar, não. Casar-me-ia com Billy, o homem a quem ele manobra como uma boneca. Há muito tempo que oiço ofegar Billy, quando passo por ele e me olha. E tenho a impressão de estar junto de uma grande aranha, com pelos.
Lew tinha na mão o cigarro apagado. Atirou-o ao chão.
— E não receia que, uma vez na posse da fortuna, Billy se revolte?... — perguntou.
— Oh, não! Bill é incapaz de entender negócios, ou manejar dinheiro. E sabe isso. Não. Billy contentar-se-ia com uma parte nos lucros... e comigo.
Houve um novo silêncio.
— E agora... — disse ela, tão perto dele que Lew a ouvia respirar — ...vá e explique a meu tio que eu sei o que ele pensa. Mas não se esqueça de lhe dizer que, antes que aconteça uma coisa dessas... me matarei!
— Vá para casa, pequena... — disse Lew.
— É tudo o que tem para me dizer?... — perguntou ela.
— Por agora, é.
— Já calculava. Ela deu meia volta. Lew segurou-a por um braço. — Largue-me, patife! Não se atreva a tocar-me! — Espere um momento.
Ela fez um gesto para soltar-se, e a seda da blusa rasgou-se, no ombro.
— Desculpe... — disse Lew, afastando-se para indicar que não queria tocar-lhe. — Desculpe, mas queria perguntar-lhe uma coisa. Por que não foge?
— Julga que não o tentei? Três vezes! E das três vezes esses nojentos criados índios, de meu tio, me seguiram o rastro, com cães, e me encontraram. Sem dinheiro para ir até longe, como poderei fugir daqui? Deixam-me passear a cavalo, porque sabem que tenho de voltar. E além do mais estas terras são minhas, e quero lutar por elas. Devo lutar!
— Está bem... — disse Lew. — Agora deve ir dormir. E... não precisa afastar-se dessa maneira. Já lhe pedi desculpa. Eu não sou uma grande aranha com pelos, como Billy.
— Não. É pior ainda, porque não parece um malvado, mas é. Por isso é pior.
Lew calou-se por instantes, mas a respiração dela dizia-lhe que Vanessa ainda não tinha partido. E disse:
— Uma vez, quando a companhia dos caminhos de ferro fazia a instalação dos seus carris, a muitas milhas daqui, há alguns anos, houve um homem que se negou a vender as suas terras aos mandatários dessa companhia. Uma noite, vários mascarados entraram na propriedade, deixaram os donos inconscientes e lançaram fogo a tudo. Tal crueldade pareceu-lhes necessária para convencer os outros vizinhos de que deviam vendar depressa e barato.
«— O filho dos donos dessa propriedade estava num colégio, em Houston, no Texas. Quando soube a noticia, deixou os estudos e voltou para casa. Nada disse, visto que as autoridades tinham considerado o incendio como «acidental», sem culpas para ninguém — a nao ser, talvez, para os pr6prios donos, que nao tinham tido cuidado corn um candeeiro de petróleo.
«— Não, não disse nada, mas foi ter com «Mono» Fawcett, o celebre pistoleiro, que vivia retirado. Disse-lhe que não tinha dinheiro, mas que trabalharia para ele, como um escravo, se ele o ensinasse a manejar as pistolas, «bem». «Mono» Fawcett tinha um filho no mesmo colégio que o rapaz abandonara, e alem disso, nessa altura, tinha-se convertido numa espécie de pregador contra a maldade. Ensinou o rapaz, grátis. Entre outras coisas ensinou-o a colocar duas balas numa carta de jogar, «de costas», o que valeu ao rapaz a alcunha corn que depois se tornou conhecido.
«— E «Dois-num» procurou, um após outro, os homens suspeitos de terem cometido o crime. E cara a cara, em duelo legal, matou-os. Outros homens, que tentaram detê-lo ou vingar os mortos, morreram também. Dai vem a sua fama.
«— Mas um dia desejou tranquilidade e, cumprida a sua tarefa, pensou em vir mais para o Oeste, em procura de um trabalho são, ao ar livre, que lhe permitisse pensar a respeito do bem e do mal.
«— É só isto, pequena.
Vanessa nada disse. Durante um minuto ficaram ambos em profundo silencio. Depois a mão dela procurou a dele.
— Desculpe... desculpe tudo o que lhe disse.
— Você nao sabia. E nova, e o mal causa-lhe repugnância. Eu sou uma das formas do mal.
— Você sofreu...
Ela estava tao perto, que ele nao o pôde evitar. Atraiu-a para si, e Vanessa nao opôs qualquer resistência. Sob as mãos de Lew havia a pele suave do ombro, onde se rasgara a blusa. Lew sentia-a palpitar.
Teve a impressão de que lhe tinham colocado um capacete de aço nas fontes. E ela não resistia. Pelo contrário, a respiração dela tinha-se acelerado.
— Vai-te... vai dormir... — disse ele, em voz rouca. Vai-te, ou nao respondo...
— Vou-me embora, sim... — disse ela, sem fazer o menor movimento para se afastar. Lew empurrou-a.
— Vai-te embora! Nao podes ficar aqui...
Beijou-a, e ela passou-lhe os bravos em volta do pescoço. Por um momento, o tempo imobilizou-se. Depois ela soltou-se e começou a andar, muito depressa. Lew seguiu-a.
— Vão recomeçar os insultos?... — perguntou Lew.
— Queria falar consigo... — disse ela, quase sem mover os lábios. — Mas não agora, nem aqui. Esta noite, às onze horas, do outro lado do cercado, junto aos álamos da sepultura de minha tia.
Depois esporeou o cavalo, que se dirigiu, a trote curto, para a entrada do rancho. Durante esses instantes Billy tinha ficado quieto, olhando-os rancorosamente, com a calva reluzente sob os raios do sol.
Às onze horas, Lew saiu sem ruído do cubículo onde dormia. Para alcançar o exterior, precisava atravessar uma esquina do dormitório comum, mas afortunadamente os peones, cansados por um dia de intenso trabalho, dormiam como pedras.
Era lua nova, e a pradaria mergulhara numa escuridão total. Os coiotes uivavam, a distância, e de vez em quando ouvia-se o mugido profundo de um touro.
Lew caminhou rapidamente até alcançar a cerca. Encostado a esta havia um túmulo, o da mulher de Cross, enquadrado por quatro álamos.
Ninguém estava ali. Lew fez um cigarro, às cegas, perguntando a si mesmo se não se trataria de uma artimanha da rapariga para atraí-lo a um sítio quase desconhecido para ele, a sós e às escuras. Não acendeu o cigarro. Não queria servir de alvo a um possível atirador escondido.
E então chegou até ele o perfume característico de Vanessa. Voltou-se e viu uma sombra a seu lado.
— Olá... — disse Lew, em voz baixa.
Ela não respondeu, durante um momento. A mão de Lew acariciava a coronha de um dos seus revólveres. Mas era Vanessa, não podia haver qualquer dúvida.
— Com quem está você?... -- perguntou a rapariga. — Com meu tio ou contra ele?
— Quantos anos tem você?... disse Lew, sem responder à pergunta.
— Como?... — exclamou Vanessa, desconcertada.
— Pergunto-lhe quantos anos tem.
— Que pode isso importar-lhe?
— Muito, para responder à pergunta que me fez. Deve ser muito nova. Uma mulher ter-me-ia perguntado se eu estava com ela ou contra ela.
— Tenho dezanove anos... — respondeu Vanessa, irritada.
— Não sou uma criança.
— O que eu supunha.
— Arrisco-me muito, vindo aqui... — disse ela, dando um passo em frente. Apesar de estarem muito próximos, a escuridão era tão intensa que ele mal lhe podia ver os olhos.
— Calculo isso. Por que o fez?
— Porque não tenho ninguém em quem confiar... —respondeu ela. — Ninguém.
Havia uma tal expressão de desamparo, nas palavras e no tom da voz, que Lew adiantou a mão até lhe tocar no braço. O suave contacto da pele fê-lo estremecer.
— Não a entendo... — disse. — Por que não experimenta explicar-se? Em vez de me injuriar, por que não me disse o que queria de mim?
Houve um silêncio.
— Se meu tio souber disto, provavelmente castiga-me, como já fez de outras vezes. Fecha-me. Oh! Sim, é o que ele faz. Já chegou mesmo a não me dar a comer senão pão mexicano, durante vários dias. Mas, na realidade, nada disso tem importância. Quando eu tiver vinte anos não poderá reter-me aqui mais tempo. Ele sabe isso. E você também o sabe, pode ir contar-lho agora mesmo, se quiser... Que só espero uma oportunidade para envenená-lo, para lhe pôr veneno na comida. Mas ele não se fia em ninguém, a não ser em Billy e nos seus índios.
— Você é uma gata selvagem... — disse Lew. — Mas é corajosa.
— Você... — disse ela, tocando-lhe nas costas da mão — ...não fala como um camponês.
— Venho de um lugar onde há muitas escolas... —respondeu Lew, secamente.
— Desculpe. Então poderá compreender o que eu sinto... Eu não odeio estas terras. Gostaria de viver aqui, mas odeio os homens que aqui vivem, e que sujam estas terras. Odeio meu tio, que me tirou de um colégio em Abilene, e me trouxe para aqui, e me contou as suas maquinações para se apoderar de todas as propriedades, como se fossem coisas muito engraçadas. Quase todas as terras me pertencem, porque eram de minha tia e de minha mãe, mas ele administra-as até que eu seja maior. Bem enganou o meu pai.
Calou-se. Havia amargura na voz dela. Lew apertou-lhe levemente o braço. O cheiro das ervas do campo e o perfume dos cabelos dela estavam a perturbar-lhe os sentidos. Sentia o sangue correr-lhe pesadamente pelas veias.
— Quando completa vinte anos?... — perguntou.
— No dia um de Junho do ano próximo.
Ela parecia, agora, falar com inteira confiança.
— Mas, de todos os modos, ele terá de prestar-lhe contas. Se vender as terras à companhia...
— Oh! Não compreende? Se eu chegar à maioridade na posse dos meus bens, em terras, ele nada poderá guardar. Mas se as vender antes... o dinheiro pode levar-se para qualquer parte, numa simples mala. E além disso há também toda essa pobre gente a quem ele quer comprar as suas propriedades a troco de uma côdea de pão, Como? Não lhe parece ainda que ele seja bastante patife?
Lew ficou calado, por instantes.
— Agora já me contou tudo. Julga que ele sabe das suas suspeitas?
— Ele? Julga-me idiota, ou pouco menos. Pensa que o meu único motivo de desgosto é ter sido tirada do colégio.
— E... — Lew acariciou-lhe distraidamente o braço —...que aconteceria se eu fosse, esta mesma noite, contar-lhe o que acaba de me dizer?
Sentiu uma rápida aceleração da respiração da jovem.
— Pode fazê-lo, realmente. Uma pobre mulher não tem maneira de impedi-lo, mas penso que a sua consciência, se é que um pistoleiro pode ter consciência, lho censuraria toda a vida. E ainda posso dizer-lhe outra coisa. Sabe o que pensa fazer meu tio, no caso de eu chegar à maioridade sem ele ter conseguido comprar todas as terras e vendê-las à companhia? Sabe?
— Imagino... — disse Lew, falando num tom involuntariamente mais baixo. — Desembaraçar-se de si, não?
Ela ficou calada, durante alguns segundos.
— Não é isso?... — perguntou ele, vendo que o silêncio se prolongava.
— Sim, mas não da maneira que julga. Não me mataria para herdar, não. Casar-me-ia com Billy, o homem a quem ele manobra como uma boneca. Há muito tempo que oiço ofegar Billy, quando passo por ele e me olha. E tenho a impressão de estar junto de uma grande aranha, com pelos.
Lew tinha na mão o cigarro apagado. Atirou-o ao chão.
— E não receia que, uma vez na posse da fortuna, Billy se revolte?... — perguntou.
— Oh, não! Bill é incapaz de entender negócios, ou manejar dinheiro. E sabe isso. Não. Billy contentar-se-ia com uma parte nos lucros... e comigo.
Houve um novo silêncio.
— E agora... — disse ela, tão perto dele que Lew a ouvia respirar — ...vá e explique a meu tio que eu sei o que ele pensa. Mas não se esqueça de lhe dizer que, antes que aconteça uma coisa dessas... me matarei!
— Vá para casa, pequena... — disse Lew.
— É tudo o que tem para me dizer?... — perguntou ela.
— Por agora, é.
— Já calculava. Ela deu meia volta. Lew segurou-a por um braço. — Largue-me, patife! Não se atreva a tocar-me! — Espere um momento.
Ela fez um gesto para soltar-se, e a seda da blusa rasgou-se, no ombro.
— Desculpe... — disse Lew, afastando-se para indicar que não queria tocar-lhe. — Desculpe, mas queria perguntar-lhe uma coisa. Por que não foge?
— Julga que não o tentei? Três vezes! E das três vezes esses nojentos criados índios, de meu tio, me seguiram o rastro, com cães, e me encontraram. Sem dinheiro para ir até longe, como poderei fugir daqui? Deixam-me passear a cavalo, porque sabem que tenho de voltar. E além do mais estas terras são minhas, e quero lutar por elas. Devo lutar!
— Está bem... — disse Lew. — Agora deve ir dormir. E... não precisa afastar-se dessa maneira. Já lhe pedi desculpa. Eu não sou uma grande aranha com pelos, como Billy.
— Não. É pior ainda, porque não parece um malvado, mas é. Por isso é pior.
Lew calou-se por instantes, mas a respiração dela dizia-lhe que Vanessa ainda não tinha partido. E disse:
— Uma vez, quando a companhia dos caminhos de ferro fazia a instalação dos seus carris, a muitas milhas daqui, há alguns anos, houve um homem que se negou a vender as suas terras aos mandatários dessa companhia. Uma noite, vários mascarados entraram na propriedade, deixaram os donos inconscientes e lançaram fogo a tudo. Tal crueldade pareceu-lhes necessária para convencer os outros vizinhos de que deviam vendar depressa e barato.
«— O filho dos donos dessa propriedade estava num colégio, em Houston, no Texas. Quando soube a noticia, deixou os estudos e voltou para casa. Nada disse, visto que as autoridades tinham considerado o incendio como «acidental», sem culpas para ninguém — a nao ser, talvez, para os pr6prios donos, que nao tinham tido cuidado corn um candeeiro de petróleo.
«— Não, não disse nada, mas foi ter com «Mono» Fawcett, o celebre pistoleiro, que vivia retirado. Disse-lhe que não tinha dinheiro, mas que trabalharia para ele, como um escravo, se ele o ensinasse a manejar as pistolas, «bem». «Mono» Fawcett tinha um filho no mesmo colégio que o rapaz abandonara, e alem disso, nessa altura, tinha-se convertido numa espécie de pregador contra a maldade. Ensinou o rapaz, grátis. Entre outras coisas ensinou-o a colocar duas balas numa carta de jogar, «de costas», o que valeu ao rapaz a alcunha corn que depois se tornou conhecido.
«— E «Dois-num» procurou, um após outro, os homens suspeitos de terem cometido o crime. E cara a cara, em duelo legal, matou-os. Outros homens, que tentaram detê-lo ou vingar os mortos, morreram também. Dai vem a sua fama.
«— Mas um dia desejou tranquilidade e, cumprida a sua tarefa, pensou em vir mais para o Oeste, em procura de um trabalho são, ao ar livre, que lhe permitisse pensar a respeito do bem e do mal.
«— É só isto, pequena.
Vanessa nada disse. Durante um minuto ficaram ambos em profundo silencio. Depois a mão dela procurou a dele.
— Desculpe... desculpe tudo o que lhe disse.
— Você nao sabia. E nova, e o mal causa-lhe repugnância. Eu sou uma das formas do mal.
— Você sofreu...
Ela estava tao perto, que ele nao o pôde evitar. Atraiu-a para si, e Vanessa nao opôs qualquer resistência. Sob as mãos de Lew havia a pele suave do ombro, onde se rasgara a blusa. Lew sentia-a palpitar.
Teve a impressão de que lhe tinham colocado um capacete de aço nas fontes. E ela não resistia. Pelo contrário, a respiração dela tinha-se acelerado.
— Vai-te... vai dormir... — disse ele, em voz rouca. Vai-te, ou nao respondo...
— Vou-me embora, sim... — disse ela, sem fazer o menor movimento para se afastar. Lew empurrou-a.
— Vai-te embora! Nao podes ficar aqui...
Beijou-a, e ela passou-lhe os bravos em volta do pescoço. Por um momento, o tempo imobilizou-se. Depois ela soltou-se e começou a andar, muito depressa. Lew seguiu-a.
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