PAS143. Reencontro

Saiu para a rua soalheira. Durante alguns momentos teve de caminhar de olhos semicerrados, acostumado À penumbra do bar e incomodado agora pela crueza causticante da claridade exterior. Dirigiu-se para o largo que o taberneiro lhe indicara. Não tinha fome, mas queria descansar e dormir uma boa sesta. Continuava a sentir-se deprimido por aquela transpiração pegajosa que lhe colava a roupa às carnes. Caminhou pelo passeio do tabuado, sob a proteção da cobertura de madeira, que o resguardava do sol.
Foi então que tropeçou. Passava nesse instante em frente de um armazém de comestíveis, e a mulher saía apressadamente, com um volume nos braços. Ele olhava para outro lado, observando com indiferença como um velho mineiro carregava algo num burro, e não reparara na mulher antes de tropeçar com ela. Instintivamente, estendeu os braços e susteve-a. Viu, num segundo apenas, uns cabelos loiros muito próximos e o revoltear de umas saias brancas.
- Perdão, senhora!
A mulher ergueu o rosto. Um rosto pálido, naquele momento alterado pela surpresa do encontro. Aparentava uns trinta e cinco anos e era bastante atraente. Olhou o homem com quem tinha tropeçado e este olhou-a também.
Há sempre qualquer coisa que nos sacode fortemente! Como ver assassinar um ser querido. Assistir À agonia de uma criança. Sentir o adejar da morte em torno de nós mesmos. Saborear o gosto do veneno no copo servido por um amigo. Tocar nas feridas purulentas de um leproso. Algo que nos sacode fortemente! Tão forte que paralisa o coração…
A mulher fitou-o com os olhos transtornados, nos quais se refletia uma estupefação infinita. Abriu e fechou a boca várias vezes e o seu rosto empalideceu como se o sangue deixasse de correr nas suas veias. O seu olhar, aturdido, is das feições do homem para o volume que lhe caíra dos braços. Depois, soltando um grito apavorado, baixou-se rapidamente e, após agarrar no embrulho caído no solo, lançou-se numa corrida através da rua poeirenta.
O homem ficou imóvel sobre as tábuas do passeio. Durante um instante o seu cérebro esteve paralisado e o coração pareceu deixar de lhe bater no peito, para logo se precipitar num ritmo galopante que lhe sufocava a garganta.
«Jane!... Jane!... Jane!!!...»
Não conseguia mais do que repetir o nome que lhe afogava a alma. O céu, a terra, o pó, o calor, nada contava para ele.
- «Jane!... Jane!... Jane!...»
Encostou-se a uma coluna das que sustinham o tejadilho, pois sentia que as pernas lhe fraquejavam. O seu corpo parecia subjugado a um estranho peso adicional. Experimentava uma angustiosa sensação na boca do estômago e a terra começou a tremer diante dele.
Passou-lhe a vertigem, mas qudou-se como que oco, vazio, incapaz de um racioicínio. Não sabia que fazer. Deu alguns passos no caminho que seguia, mas voltou-se e regressou ao bar.
«Jane»… e o nome repercutia-se num eco infindável no seu cérebro.
(Coleção Pólvora, nº 27)

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