PAS205. Um sonho frustado
Mike Trevor tirou o primeiro turno e quando os seus amigos já dormiam envoltos nas suas mantas, foi dar uma vista de olhos pela manada, quieta e bem acomodada no prado.
Regressou junto da fogueira, que projetou a sua alta figura, delgada. Moreno, de olhos negros e cara, redonda mas seca, Mike Trevor tinha uma estrutura ossuda que suportaria ainda uns quinze quilos mais.
Mas desbravar potros por conta alheia noutros ranchos desde tenra idade era um exercício que eliminava todas as gorduras, deixando só tendões e músculos. Contudo, aquele rude exercício permitira-lhe economizar até poder comprar aquela manada, que ia ser o começo da sua futura riqueza.
Aquele era um passo decisivo na sua vida. O quarto passo decisivo. O primeiro, foi quando aos dezoito amos seu pai lhe dissera:
- «Mike, já tens idade para ser responsável pelos teus atos. Já que te meteste a brigar com Ken Walker, resolve isso como melhor puderes» .
Nunca esqueceria a brutal peleja que travou com o filho do seu vizinho. Foi quando todos os demais começaram a ter-lhe respeito.
O segundo passo decisivo, deu-lho a morte de seu pai, quando decidiu não vender o rancho, mas somente o pouco gado que tinham, e empregara-se a domesticar cavalos noutros ranchos, até economizar o bastante para poder dedicar-se à criação de cavalos de raça.
Também naquela época aconteceu o que podia classificar-se como o terceiro momento decisivo. Quando se apaixonou com loucura, porém ela não soube ou não quis esperar. Essa recordação já o mortificava menos agora decorridos três anos sobre o acontecimento.
Atirando com novos ramos à fogueira, sentou-se contemplando as figuras de Ark Hadlan e Bill Benner, que dormiam e ressonavam. Eram dois amigos e excelentes vaqueiros, nos quais podia confiar tanto, como em Budd Charles que os aguardava no rancho Star Dust.
Tinha a sorte de possuir como pessoal três leais amigos. Tudo lhe sorria naquela noite, como prelúdio dum futuro otimista.
Quando amanheceu, voltaram a cavalgar, evitando a região perigosa, ninho de foragidos e decorreram dia e noite sem incidentes.
No dia seguinte, quando atravessavam o vale pelo Oeste encontraram dois cavaleiros, barbudos e mal-encarados... Disseram que trabalhavam por conta de Frank Slavin.
- Soberbos cavalos — comentou um deles - Para onde os levam, pode saber-se?
- Para o nosso rancho.
- É muito longe?
- Perto de Buckoo, a três dias daqui.
- Não os quererá vender? Frank Slavin compra e paga bem.
- Estes não são para vender, mas no rancho tenho outros.
- Então porque não vai falar a Slavin? O seu rancho não é longe. Desvie um pouco para o Sul e encontra-o facilmente.
- Pode ser que o faça — disse Trevor vagamente.
Não lhe agradava a maneira como aqueles cavaleiros se comportavam olhando para a manada. E quando eles se afastaram a galope, Bill Bender comentou:
- Dois elementos pouco agradáveis. Se em vez de dois fossem seis, creio que teríamos de defender a manada a tiro.
- A manada ainda não está a salvo — declarou Trevor, refletindo. — Devemos desviar-nos mais ainda para o Oeste.
- Então já ouviste falar desse tal Slavin?
- Sim. Neste vale há uma dúzia de ranchos, mas só um é importante. É o de Frank Slavin. Na realidade, Moon Yalley e a sua povoação são propriedade de Slavin. Ouvi dizer que é ele quem dita as leis e governa como um rei. E se cobiça esta manada..
- Poderíamos desviar-nos mais para o Norte, Mike — sugeriu Hadlan.
- Vamos a isso, e percorrendo a maior distância possível.
Durante o resto do dia não viram nenhum outro cavaleiro. Quando acamparam à noite, parte da inquietação de Trevor desaparecera.
Pensava que, embora Frank Slavin fosse a única lei em Moon Valley, isso não significava forçosamente que se arriscasse a qualquer acto ilegal contra forasteiros.
- Poderíamos fazer uma guarda dobrada esta noite. Mike — propôs Hadland. — Ou, então, continuar a viagem. Há luar bastante claro.
-Não quero rebentar os cavalos — respondeu Trevon. — Bastará termos as espingardas à mão, Ark, embora não creia que tenhamos de as empregar
Passou a noite sem novidade e até ao meio-dia seguinte penetraram numa longa e estreita passagem colinas, quando várias espingardas fizeram fogo simultâneas.
Bill Bender, que ia à frente da manada, ergueu-se repentinamente na sela e como se se partisse pela cintura deu uma brusca cabeçada caindo para o chão.
Mike Trevor refreou o cavalo, sentindo nas a queimadura duma bala. Outra levou-lhe o chapéu. Tirando a espingarda do arção, gritou para Ark Hadlan.
- Abriga-te, Ark, depressa!
A sua advertência já era inútil: Ark Hadlan bamboleava-se na sela como um cavaleiro bêbado.
Trevor apontou para as árvores donde vira sair os fogachos. Mas só via as árvores.
Uma bala bateu-lhe a um lado da cabeça, desorientando-o. O seu cavalo saltava para a frente, enlouquecido e procurou suster-se agarrado ao- cabeçote da sela.
Mas a dor aguda da fonte mergulhou-o nas trevas. Não soube quando caiu, e durante longo tempo perdeu a noção de tudo.
Voltou a si lentamente. Ia escurecendo. Mike Trevor tentou sentar-se e fincou-se-lhe na nuca uma onda de alfinetadas. Apalpando, encontrou a ferida. Uma brecha entre a fonte e a orelha, funda e sangrando ainda.
Aquele lado do rosto estava coberto de sangue seco.
Tirando o lenço do pescoço, atou-o em volta da cabeça. Rasgando parte da camisa entalou-a entre o lenço e a ferida, apertando mais fortemente o lenço.
Recobrou totalmente os sentidos quando era já noite. Não tinha quaisquer dúvidas sobre o que acontecera. Bordejavam as propriedades de Frank SIavin, e aquela emboscada fora planeada por gente que conhecia bem o terreno.
Gente que vira a manada composta por quatro garanhões e onze éguas, e decidiu apoderar-se dela, matando os seus condutores.
O fogo implacável procedente das árvores demonstrou que queriam eliminar os três condutores da manada. Nem lhes deram a possibilidade de entregar a manada em troca da vida.
Demorou muito primeiro que pudesse manter-se de pé. Não conhecia aquela região, nem compreendia porque o deixaram com vida. O certo é que não podia continuar ali, naquela passagem solitária.
Devia haver algum rancho próximo, embora fosse o de Frank Slavin. Tinha de chegar a qualquer lugar habitado, onde pudesse tratar-se convenientemente do ferimento e conseguir um cavalo emprestado e provisões.
Os seus, primeiros passos foram hesitantes e caiu várias vezes. E, durante um tempo que lhe pareceu interminável, procurou caminhar na direção do Sul.
Chegou às margens dum rio, onde pôde beber, metendo o rosto dentro da água, estendido numa fraga, para retomar forças.
Voltou a andar e, quando amanhecia, a sua mente começou a variar. Caiu, mas já não fez qualquer esforço para levantar-se.
O sol queimava-lhe as costas e despertou-o. Pôs-se de pé e retomou a marcha, (tropeçando, caindo e voltando a levantar-se...
Um grande pássaro começou a descrever círculos no céu. Juntou-se-lhe outro a menor altura, e ainda um terceiro...
No solo, ofegante, Mike Trevor sentia-lhes o bater das asas. Agitou debilmente o punho ameaçador... o esforço acabou de o render e fechou os olhos, prometendo a si mesmo tê-los fechados apenas uns segundos.
Um dos abutres vem pousar numa rocha próxima. Os outros dois pousaram mais perto, esperando, numa espera macabra...
(Coleção Búfalo, nº 51)
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