PAS308. Candidata à forca


Contexto da passagem: Passaram dois anos sobre o encontro macabro com aquele par unido por um punhal. O pai de Ana resolveu levá-la à cidade para ela conhecer o mundo. Acabou por ser morto para a defender de pistoleiros impressionados com a sua beleza e ela é salva por William Palmer. Mas Palmer é um ladrão e assassino. Perseguido pelo xerife Clive Burkam, é salvo por Ana que o acompanha ao refúgio numa gruta. Aí planeia um golpe num banco e vem com o seu bando assaltá-lo. A coisa corre mal. Ana também vem à cidade e depara-se mais uma vez com Palmer em maus lençóis perante Clive.

 

William apertou os dentes e afrontou Clive.
— E para te ajudar, vou refrescar-te a memória!
As suas mãos moveram-se levemente e ambos os revólveres vomitaram fogo. Mas Clive Burkam, que não tinha deixado de seguir atentamente todos os seus movimentos, adivinhou o momento preciso em que aquilo podia acontecer, e saltou lesto até à fachada do Banco com a agilidade de um gato selvagem. O seu corpo, ao chocar, fez gemer as madeiras, e ao mesmo tempo: que as balas disparadas por Palmer sibilaram inutilmente através da rua, Burkam sacava dos seus dois revólveres!
Palmer, atuando também com uma felina agilidade, tratou de se arrojar ao solo para se encobrir das balas do seu inimigo. Mas, quando ia a atingir o chão, foi ferido. Uma bala, penetrando par sob a sua clavícula direita, fora alojar-se junto ao pulmão, sem no entanto atingir este órgão. O pistoleiro soltou um gemido e abandonou as suas armas ao mesmo tempo que o sangue principiava a jorrar intensamente, empapando a camisa.
Burkam levantou-se rapidamente, guardou os «seus revólveres e correu para o homem que estava ferido. Mas Ana, Com a sua agilidade de gazela, conseguiu chegar primeiro.
— Quieto!
O xerife especial deteve-se, e ficou estático ao ver o revólver empunhado nas mãos da rapariga. Esta ajoelhou-se junto do ferido, ergueu-o um pouco de modo a ficar com a sua cabeça no regaço e continuou a manter Clive em respeito e a conveniente distância.
— Este homem tem muita sorte, pequena. É a segunda vez que tu o salvas, e deve ser delicioso ficar a dever a vida a uma mulher como tu.
— Cale-se!
— Posso saber ao menos porque salvas esse menino, pobre louca? — disse Burkam, perdendo a paciência.
— Porque me salvou-a mim, e porque no fundo é um infeliz!
Várias pessoais tinham surgido nas esquinas do edifício. Com os olhos atónitos contemplaram a estranha cena, sem se atreverem a tomar partido, e ao mesmo tempo sem saberem o que pensar daquela cena para a qual não encontravam explicação.
- Os loucos nunca são infelizes, pobre rapariga! Nem tão-pouco as feras. E se chamas desdita ao não poder ele matar todos os dias, triste compaixão a tua! Deixa esse revólver e não me obrigues a ir arrancar-to pessoalmente!
Mas, ao dizer isto, Burkam sabia já que, como da outra vez, não podia disparar sem correr o grave risco de ferir a rapariga. Esta levantou um pouco mais a cabeça de Palmer, que se reanimou ao contacto da sua mão.
 — Pronto, levanta-te — exortou ela a meia voz, sem no entanto deixar de apontar para a frente. — Tens um cavalo à tua espera. Monta-o e foge.
— Mas tu?...
— Estás demasiado fraco para discutir. Necessitas que te tratem imediatamente. Foge! A mim nada me pode acontecer!
Palmer, vacilante, correu para o cavalo. Montou-o como lhe foi possível e partiu a galope, dobrando imediatamente a esquina. Entretanto, Ana acompanhava-o com os olhos ao mesmo empo que fazia girar o revólver na ponta dos dedos como lhe tinha ensinado um dia o seu pai.
Ninguém se moveu. Em parte pelo perigo que representava aquele revólver, e, em parte, e essencialmente o mais importante, pela espécie de pasmo que em todos era visível, atitude essa que fora originada pela enorme beleza daquela valente rapariga.
Por fim, ao cabo de alguns minutos, quando pensou que Palmer já podia ter chegado aos tortuosos e labirínticos caminhos da montanha, cerrou os olhos e deixou cair sobre o pó da rua silenciosa o revólver, com que mais uma vez havia salvado a vida de William Palmer.
Ao atirar o revólver ao chão, Ana entregava--se aos seus sitiadores, resignando-se a tudo o que lhe podia advir da sua atitude. E os espectadores daquela insólita cena, quando não se viram ameaçados pelo cano do revólver, tornaram-se audazes num momento. A sua audácia subiu então, como a espuma num copo de cerveja. E também subiu de tom e se manifestou essa crueldade oculta, latente no íntimo de todas as multidões.
— Temos de a enforcar! — gritou uma voz.
(Coleção Bisonte, nº 61) 

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