PAS369. Entrevista com a morte

Deanville continuava envolvida pela escuridão e pela chuva. As luzes, que pouco a pouco se iam apagando dentro dos respetivos lares, acabaram por sepultar os prédios e as ruas num manto negro.
A passo da montada, um cavaleiro saía da cidade pelo lado Norte, em direção à «Colina da Morte», que se erguia lúgubre e pesada na escuridão e que com a sua mole imensa de terra parecia dominar a cidade.
A «Colina da Morte» tinha sido o sítio escolhido pelas autoridades do início da cidade — quando surgiram os primeiros habitantes e se ergueram as primeiras barracas — para castigarem os criminosos e ali deixá-los bem à vista de todos corno exemplo. De facto, de todos os pontos da cidade se via a colina e a sua árvore gigantesca e forte— «uma árvore alimentada com sangue humano», como diziam os vê-lhos da terra— e quando um corpo balanceava nas suas ramadas, constituía um espetáculo de tal maneira impressionante, que as mães nem sequer deixavam sair os filhos de casa. Com o correr dos tempos, as execuções eram feitas e os corpos recolhidos pelo cangalheiro e enterrados na mesma colina. Por isso, a «Colina da Morte», não só era ponto das execuções como também cemitério.
O cavaleiro vestido de negro encaminhava-se para lá, indiferente à chuva e ao vento. De vez em quando confirmava se o homem que levava atravessado na sela continuava desmaiado. E não se importava com uns passos que o seguiam a distância. Ele sabia quem era.
Quando chegou junto da árvore das execuções, saltou da montada e puxou pelo corpo de Sam. Com cuidado encostou-o à árvore. Viu-lha os olhos e constatou que ele ainda estava desmaiado para muito tempo. Estremeceu. A pancada que desferiu com a coronha do seu Colt teria sido demasiado violenta e ocasionado a morte do taberneiro? O homem de negro apalpou a cabeça no sítio da pancada e retirou os dedos sujos de sangue. Rápido, baixou e encostou a cabeça ao peito do inanimado. Estava nesta operação, quando alguém se colocou atrás das suas costas. Ele nem sequer se voltou. Percebeu que o coração batia e pediu, em voz alta:
— Devil! (Diabo!) Depressa, dá-me a garrafa do whisky !
O homem recém-chegado —'que não era outro senão o cangalheiro da terra, o velho corcunda— ao ouvir a ordem, deu uma curta gargalhada casquinada, correu para o cavalo, procurou na sela e retirou urna garrafa. Pouco depois, o homem de negro despejava pela garganta de Sam uma grande quantidade de álcool. Sam tossiu com violência e voltou instantaneamente a si. Depois teve um gemido de dor e levou as mãos à cabeça. E só depois deste gesto teve consciência do sítio onde se encontrava. Atentou então melhor no homem que estava à sua frente e gritou:
— Que faço eu aqui?
O homem de negro respondeu:
— Procuras a morte.
Sam tentou ver melhor através das travas e reconheceu o seu interlocutor.
— Não foste tu que me procuraste no meu Saloon?
— Eu não te procurei. Fui lá para te ir buscar. Soube que ias partir para Este, e não podia consentir que faltasses à entrevista que tens com a morte.
Sam estremeceu sem querer. E tentou levantar-se. Mas só esboçou um gesto. O homem de negro derrubou-o com um pontapé a meio do peito.
— Deixa-te estar quieto. Temos muito que conversar.
A chuva continuava a cair, envolvendo a colina em neblina. Sana percebeu que aquilo não era uma brincadeira. E de repente viu que estava alguém por detrás do homem de negro. Uma esperança nasceu-lhe no peito. Aquele homem era o corcunda, o velho Devil, como todos lhe chamavam. Talvez ele o pudesse salvar.
— Devil! Depressa! Vai à cidade buscar socorros!
O velho corcunda aproximou os olhos do rosto do taberneiro— uns olhos descentrados, um mais em cima e outro mais abaixo de cada lado do rosto — e com voz de falsete, aos guinchos, respondeu:
— Eu vim aqui para te enterrar, e não para te salvar! Lembras-te quando deste ordem de nunca mais entrar no teu estabelecimento porque te dava nojo ver-me? Pois agora também tenho nojo de ti e hei-de enterrar-te sem caixão, ao nível do solo, para que os coiotes desenterrem o teu corpo e devorem as tuas carnes à dentada!
Sam lançou um grito de terror. Compreendeu que estava perdido. Simplesmente, não compreendia a razão do que se passava. E perguntou:
— Quem és tu que me persegues desta maneira?
O homem de negro aproximou-se do taberneiro, ajoelhou-se junto dele, e sacando do Colt, fitou-o com um sorriso mau nas lábios e com os olhos verdes a brilharem de ódio. Depois murmurou:
— Hoje chamo-me Black Man, mas já tive outro nome... Um nome que tu conheces... — E encostando-lhe os lábios a um dos ouvidos, murmurou um nome em voz tão baixa que mais parecia um sussurrar.
Sam foi sacudido por um esticão e gritou:
—Não! Não pode ser ! Eu...
Silenciosamente, o homem de negro, sem largar o Colt que conservava apontado em direção ao coração do taberneiro, começou a desenrolar o lenço que lhe envolvia o pescoço. Depois, curvou a cabeça e disse, apontando para o pescoço:
— Olha!
Sam sentiu os cabelos levantarem-se e foi sacudido por um abalo que lhe congestionou os olhos.
— Não! — repetiu -- não pode ser! Eu...
Mas não teve tempo de completar o seu pensamento. A quebrar a escuridão da noite, abafados pelos uivos da ventania, soaram seis tiros — toda a carga que estava no tambor do Colt que o homem de negro segurava na mão...

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