PAS377. O enorme poder de um trovão

Peter acendeu um cigarro com um dos tições da fogueira e encostou-se à parede começando a fumar calmamente com lentas e profundas aspirações. Alguns minutos depois, ao ouvir-se um novo e forte trovão, Henrietta lançou um grito, sobressaltada e aproximou-se mais um pouco de Stevenson.
— Continua assustada? — indagou ele, lançando ao fogo o resto do cigarro.
— Sim.
Ele estendeu a mão. Henrietta apertou-a com a mesma ansiedade que um náufrago agarra um cinto de salvação. Pensou que a mão era forte, grande, confortavelmente áspera e acolhedora.
— Sente-se melhor agora? — perguntou Peter.
— Sim, muito melhor.
Um raio faiscou próximo e o solo estremeceu com a violência do trovão. Henrietta proferiu um grito de terror e apertou-se ao corpo de Peter.
— Por Deus, miss Henderson — disse Peter, rindo nervosamente. — Não é para se assustar tanto. Não é mais que uma simples trovoada.
Ela levantou os seus olhos e fixou-os no rosto Peter. Este deixou instantaneamente de rir. Nas grandes e formosas pupilas azuis, Peter leu o medo mas também uma expressão de entrega resignada quase suplicante. Peter que tinha um braço a envolvê-la pelos ombros não pôde resistir ao veemente desejo de abraçar contra o seu coração e experimentar a doce carícia dos seus trémulos lábios.
Henrietta Henderson não poderia assegurar que o arrebatamento de Stevenson a tivesse apanhado desprevenida ainda que na realidade não pudesse bem explicar o que tinha sucedido. Respondeu à ardente carícia dos lábios masculinos, porque naquele momento desejava entregar-se e tinham desaparecido todos os antagonismos que os haviam separado desde o princípio. O calor e a força que irmanavam daquela personalidade viril, a segurança que espalhava o seu contacto, a expressão de ansiedade das corretas feições masculinas e aquelas estranhas pupilas verdes que a fascinavam e perturbavam... tudo isto e talvez também um secreto desejo de se entregar a ele, produziram nela um desfalecimento súbito que deixou os seus músculos flácidos e a impeliu sem reservas a responder à carícia arrebatadora dos lábios de Peter Stevenson.
Durante um tempo indeterminado, os ruídos da tempestade que rugiam no interior, amorteceram-se para Henrietta Henderson. E no momento em que os lábios ardentes de Peter resvalavam para o seu pescoço descoberto, é que ela teve a consciência brusca e dolorosa dos seus atos.
Um medo repentino acometeu-a, e se bem que não fosse um temor físico como anteriormente, era algo de mais profundo e aterrador.
— Não! — gritou, tentando libertar-se dos férreos braços que a envolviam. — Não! Deixe-me! Solte-me! E bateu-lhe no peito com os punhos cerrados.
Peter largou-a com tanta brusquidão que ela vacilou e caiu no solo.
— Henrietta... — murmurou Peter, com voz rouca, avançando para ela.
— Não se aproxime! Não me toque! — gritou a jovem, pondo-se de pé e correndo loucamente para a entrada da gruta. Um ofuscante relâmpago estilhaçou o céu obscuro, logo seguido dum violento trovão. Henrietta deteve-se sem chegar a ultrapassar a cortina de chuva que se estendia à frente da caverna. Cobriu o pálido rosto com as mãos e balbuciou:
— Deus meu! Deus meu!
— Henrietta! Que sucedeu?
A jovem voltou-se furiosa para ele.
— Não se aproxime — murmurou entre dentes.
— Não a compreendo, Henrietta — murmurou Peter. E na verdade sentia-se confuso e atrozmente embaraçado. — Há alguns momentos pensei que correspondia ao meu amor. É possível que me tenha enganado?
— Sim, enganou-se ! — quase gritou Henrietta, agudamente. E como pressentisse que era necessário uma afirmação bastante convincente para o fazer esquecer dos seus beijos, acrescentou:— Como pode julgar que eu amasse um «pistoleiro» como você?
— Henrietta ! — exclamou Stevenson chocado...
— Oh, que idiotas e ingénuos são os homens! Abusam da sua força para beijar uma rapariga e depois... depois pensam que a conquistaram.
Peter manteve-se em silêncio. Não sabia o que replicar e receava mesmo ter-se equivocado sobre a resposta da rapariga aos seus ardentes beijos. Voltou-se lentamente e dirigiu-se para junto da fogueira. Sentou-se no chão e principiou a fumar para disfarçar o seu nervosismo. As mãos tremiam-lhe ligeiramente e, ao observá-lo, Henrietta sentiu urna certa piedade.
— Peço-lhe que me desculpe e que procure esquecer os factos ocorridos entre nós, miss Henderson — disse Peter em voz opaca e monocórdia.
Henrietta não respondeu. Aconchegando a manta aos seus ombros, sentou-se numa rocha proeminente no outro lado da fogueira. Os dois permaneceram um grande espaço de tempo em silêncio, observando a dança oscilante das chamas. Lá fora, o barulho dos trovões decrescia à medida que a tempestade se afastava. Meia hora mais tarde parava de chover.
— Creio que já podemos sair — disse Peter, erguendo-se. — Quer regressar ao rancho?
— Sim, parece-me também que a trovoada já passou. Peter dirigiu-se para os cavalos e principiou a aparelhá-los. Quando saiu da gruta, arrastando os dois animais, já não chovia. Nos interstícios das rochas ainda escorriam pequenas cataratas, ocasionando um ruído surdo no silêncio da noite.
Uma suave brisa varria do céu as derradeiras nuvens e a lua surgia depois de ter estado oculta durante muito tempo.
Sem pressas, principiaram o regresso para o rancho. Não eram aqui esperados, não admirando portanto que recebessem uma ordem de alto proferida por um dos vaqueiros dos Henderson, que vigiava a casa.
Pouco depois, ao desmontar-se do cavalo, Hen-rietta Henderson olhou-o ràpidamente e murmurou:
— Boa-noite, Stevenson.
— Boa-noite, miss Henderson — replicou Peter, com aspeto sombrio.
Pouco depois Peter meditava sobre os paradoxos da vida. Afinal de contas, o conquistado, o humilhado, o vencido, tinha sido ele e não Henrietta como ele desejara. Pressentiu que nunca conquistaria Henrietta mesmo que esta viesse a ter conhecimento da sua verdadeira identidade. Peter Stevenson ignorava que nesta ocasião Henrietta Henderson caía sobre o seu leito chorando convulsivamente.

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