PAS405. Não mais haverá descanso para quem calçar as botas do morto

— Lamento, amigo, — disse para o cadáver — mas tu já chegaste ao fim do caminho e eu quero prolongar o meu até poder. De modo que vou calçar as tuas botas.
Vestiu depois, uma a uma, todas as peças do vestuário do morto, ajustando o cinturão. E depois vestiu-o com as suas. Assentavam-lhe bastante bem e enganariam o mais desconfiado depois dos abutres completarem a obra. Colocou o cadáver tal e qual o encontrara e passou quase meia hora a apagar cuidadosamente todos os vestígios da sua presença. Depois, foi aos cavalos, desatou-os e montou naquele que pertencia ao desconhecido, deixando o seu em liberdade. O animal estava tão cansado que não ia sair do local encharcado e com erva. Ali o encontrariam os seus perseguidores, a quem calculava levar oito a dez horas de vantagem. Chegariam ao anoitecer e nessa altura já os abutres teriam deixado sem carne a cabeça do morto...
Esporeou o cavalo. Era um baio nervoso, com uma bonita cabeça. Valia a pena conservá-lo.
Pouco depois de se afastar olhou para trás. Os abutres encarniçavam-se já sobre a presa enquanto outros se aproximavam a toda a pressa voando sob o céu azul.
Tinha deixado todos os seus pertences nas algibeiras do fato que vestira ao morto. Inclusivamente o dinheiro, salvo uma centena de dólares. Não se podiam cometer erros com os Rurais. E até ao por do sol, quando acampou na margem do Kiamichi, não se atreveu a revistar as roupas e o equipamento, do falecido.
O homem não era um viajante vulgar. Levava com ele uma excelente provisão de camisas, peúgas e outras peças de roupa interior, devidamente acomodada. Sobre a roupa havia urna bolsa para tabaco de fabrico índio, um livro de mortalhas, uma navalha, um relógio, um lenço, vinte e dois dólares e trinta cêntimos em moedas, um isqueiro e um lápis. Pouca coisa, é claro, que excitasse a curiosidade. O revólver era tão bom como aquele que se tinha visto obrigado a abandonar e a «Winchester», completamente nova, era melhor do que a sua. Tal qual como as botas, o cinto era de fino cabedal avermelhado, sendo as botas providas de altos tacões e de esporas prateadas. As roupas, de excelente fabrico, tinham sido compradas recentemente. Além do cinto com balas via-se também na bagagem uma caixa de munições. A sela, sem dúvida, boa e cómoda. Havia ainda um outro fato, convenientemente dobrada e em estado novo, uma manta de lã e um impermeável amarelo. O cantil, uma frigideira pequena, a cafeteira, a colher e até um garfo, eram novos da mesma forma que o prato. Sem dúvida, o morto era pessoa de bom gosto, cioso das suas comodidades e que se preparara conscienciosamente para aquela viagem interrompida. Quem seria e para onde se dirigia? O território índio não era o lugar indicado para viagens de prazer... 
Ao pegar no fato novo, os seus dedos tocaram em alguma coisa dura. Uma carteira nova, de cabedal avermelhado, que estava no bolso interior do colete. E Lee assobiou ao abri-la e descobrir o seu conteúdo.
Seiscentos e vinte dólares em notas de Banco, novas em folha! E uma carta. Contou primeiramente as notas, tornando a colocá-las na carteira. Olhou depois para o sobrescrito. Estava dirigido ao senhor James Kane, em Nova Orleães e tinha sido reexpedida desta cidade a
Shireveport onde, ao que parecia, o senhor Kane estivera alojado, no hotel «Texas».
Já tinha ume nome. A carta deu-lhe um ponto de destino, outros dois nomes… e pouco mais.
«Senhor James Kane, Estalagem «Os Três Reis» — Nova Orleães.
Caro senhor: 
De acordo com o que combinámos, incluo um cheque passado a seu favor na importância de mil dólares. Uma vez recebido o mesmo, queira pôr-se a caminho imediatamente de forma que possa aqui estar em 4 de Julho. Convém que tome a barco até S. Luís ou Independence, continuando depois a cavalo para se habituar ao seu papel. Já sabe que tem de apresentar-se aqui como um cavaleiro errante. Quando chegar dirija-se primeiro ao «Frenchy Hotel». Depois virá ao meu escritório, como se fosse de passagem. Tenho a dizer-lhe que o nosso comum amigo Fallon teve a pouca sorte de tropeçar há dias com uma bala. Portanto, como o não conheço pessoalmente, dê o seu nome ao chegar. Espero que cumprirá literalmente as minhas instruções a fim de o nosso assunto ficar depressa resolvido satisfatoriamente para ambos. Até o ver em Westcliffe, aceite as cordiais saudações do amigo
Bert Radison»
À luz da pequena fogueira que tinha acendido, Lee releu três vezes a carta. Esteve até à meia-noite a dar voltas a cada, uma das suas frases. Por fim ficou com uma ideia aproximada da questão. O homem chamado Kane tinha recebido mil dólares do autor da carta a fim de se transladar a uma povoação chamada Westcliffe onde, aparentando ser uni vaqueira vagabundo, efetuaria determinada negócio para o qual havia de tomar precauções. Morrera o amigo pessoal que ali tinha e o seu sócio não conhecia Kane pessoalmente. Kane tinha de estar a 4 de Julho em Westcliffe. Como estavam em fins de Maio o homem dispunha de cinco, semanas. Ou seja, que Westcliffe se achava em algum ponto a leste do Mississipi, provavelmente nas Montanhas Rochosas. Kane não estava em Orleães quando recebera a carta mas em ShirevePort. Devia ter recebido ali mesmo o dinheiro e decidido fazer acto contínuo a viagem a cavalo. Dada a rota que escolhera, Westcliffe, devia achar-se a Noroeste, talvez para os lados de Kansas ou Colorado. E Kane não era exatamente um homem do campo, um vaqueiro. Que espécie de homem seria e qual o seu negócio com Radison? Só havia um meio de o saber: ir a Westcliffe.
Ao chegar a este ponto das suas congeminações, Lee Yancey deixou-se ficar a olhar para as brasas quase apagadas. Porque não?... Qualquer sítio era bom e tanto lhe dava um caminho como outro, desde que se afastasse de Texas. Radison tinha pago mil dólares a Kane para este o ajudar em alguma coisa e não devia ser defraudado. Provavelmente, terminado o negócio, haveria mais dinheiro para Kane. E qualquer coisa existia na carta que o fascinava. Qualquer coisa nas entrelinhas que tinha ficado por dizer... 

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