PAS572. Uma carta do homem que agonizava

Durante um segundo, Danne continuou a olhar o fundo do barranco como fascinado, depois afastou-se e só então recordou que o cavalo não levava cavaleiro.
— Onde estará? — e o pensamento de que um seu semelhante precisava da sua ajuda fê-lo reagir e empreendeu uma veloz corrida pelo caminho escorregadio, em busca do cavaleiro.
Percorreu cerca de meia milha sem encontrar o menor indicio do cavaleiro perdido e preparava-se já para regressar à gruta, renunciando à sua busca, quando um ténue gemido de dor chegou até ele.
Naquele lugar a parede do barranco perdia a sua linha vertical convertendo-se num pronunciado declive.
Danne aproximou-se do começo do declive.
— Há alguém aí em baixo? — perguntou, gritando com todas as suas forças.
Ninguém respondeu à sua voz e pensava já se na se teria enganado, quando de novo chegou até ele um lamento, mais percetível agora.
Não duvidou. Alguém precisava do seu auxílio no fundo do barranco.
Sem pensar no perigo que corria, lançou-se em seu socorro. Danne era assim: impulsivo nos seus atos, o que pensava fazer fazia-o mesmo, lançando-se para o perigo sem medir os riscos que isso lhe podia acarretar, entregando-se por completo nas mãos da Providência e da sua boa estrela.
Mal pisou a pendente, percebeu que não poderia descer tão depressa quanto seria o seu desejo. O barro pegava-se às suas botas, formando uma capa resvaladiça, que o fazia patinar e cair a cada momento, enquanto a água lhe continuava a fustigar o rosto.
Agarrando-se ao terreno com as mãos e com os pés, recorrendo aos ramos e pedras que via, conseguia ir descendo pouco a pouco. De vez em quando um gemido chegava até ele, cada vez mais próximo, e Danne gritava palavras de ânimo ao desconhecido.
Faltavam escassos metros para chegar, quando de novo resvalou. Dessa vez não encontrou nada a que se pudesse agarrar e rolou como uma bola, rebolando no barro e na água.
Esteve a ponto de ir parar à ameaçadora torrente, que rugia a seu lado sedenta de novas vítimas, mas conseguiu evitá-lo apoiando o pé direito contra uma rocha que se levantava mesmo à beira da água, e agarrando-se depois a ela, desesperadamente.
Quando de novo se encontrou em terra firme, olhou em redor. Três metros à sua esquerda percebeu o corpo imóvel de um homem que soltava lancinantes gemidos.
Tinha sem dúvida rolado pela pendente ao ser lançado ao chão pelo desenfreado cavalo e a sua cabeça teria chocado ao cair contra alguma rocha, pois tinha nela uma ferida que sangrava abundantemente. Os seus pés mergulhavam na torrente, chegando lhe a água quase aos joelhos, mas por um verdadeiro milagre não tinha sido arrastado por ela.
Danne segurou-o pelos sovacos e puxou-o para cima, transportando-o para um sítio mais seguro. Depois ajoelhou a seu lado.
O homem olhou-o com olhos falhos de expressão e os seus lábios mexeram-se.
— Obrigado...
— Não fale. Vou tentar tirá-lo daqui.
Mas imediatamente percebeu que os seus desejos não eram muito viáveis. A força da chuva parecia ter diminuído e os trovões soavam cada vez mais distantes, mas a encosta continuava resvaladiça e perigosa para se aventurar por ela e mais ainda transportando um homem às costas. Uma escorregadela, um passo em falso, poderia precipitá-lo na torrente, sem qualquer esperança de salvação.
Danne vendou com o lenço a cabeça do homem enquanto o fazia uma ideia assaltou-lhe o espírito.
Com tremendo esforço carregou o ferido às costas e começou a andar na mesma direção que a da água em vez de atacar a encosta pelo sítio por onde tinha descido, verificando com satisfação que, como calculara, encosta era cada vez mais curta e de mais suave declive.
O desconhecido não pesava muito, mas exigia um tremendo esforço caminhar com ele às costas, por cima daquele barro pegajoso que formava nas suas botas uma segunda sola de vários centímetros de espessura e que o obrigava a deter-se.
Demorou mais de trinta minutos a sair do barranco e, quando se encontrou de novo no caminho, estava muito cansado e doía-lhe todo o corpo. Tinha deixado de chover e já não se ouviam os trovões. O suor banhava-lhe o rosto e todo o corpo, misturando-se com a água que lhe empapava as roupas.
Descansou um momento, mas ao perceber que aquele homem morreria se não o fizesse reagir imediatamente, empreendeu de novo o caminho para a gruta.
Pouco depois chegava a esta. Deixou o ferido sentado no chão com as costas apoiadas contra a parede de terra e procurou nas algibeiras algo com que pudesse fazer fogo.
A faísca da pederneira permitiu-lhe distinguir no fundo da gruta uma espécie de cama de folhas secas e uns troncos. Dando graças a Deus por tão feliz encontro transportou o ferido e de novo fez lume.
Pouco depois o alegre resplendor das chamas iluminava a cena. Sem se preocupar em tirar as roupas, ia a auxiliar o desconhecido, quando este o deteve com um gesto.
— Não se preocupe comigo... eu... já não preciso.
Danne debruçou-se sobre ele, tentando animá-lo.
— Agradeço-lhe... as suas palavras de coragem... mas é inútil. Desejo que me faça um favor — prosseguiu com voz débil. — No bolso do meu casaco... encontrará uma carta. Peço-lhe que a leve ao seu destino... É muito importante para... para mim. Fá-lo-á?
Danne assentiu com a cabeça.
— Deve entregá-la a um tal Mulholland, em Las Cruces. Peço-lhe... também que vá ver... a minha filha. Diga-lhe que tudo o que fiz foi por ela. Que me perdoe... mas foi por ela.
— Como se chama sua filha?
— Lilian. Vive também... em Las Cruces. Eu...
Não pôde prosseguir. Penosos estertores impediram--no. A sua cabeça caiu para a frente e os olhos ficaram estranhamente fixos nas pontas das botas.
Passou um bom bocado antes  que Danne se apercebesse de que tinha morrido. Quando por fim se convenceu disso, procurou nos seus bolsos e encontrou a carta.
Era um sobrescrito azul, sujo e amarrotado, sem qualquer direção aposta, mas Danne recordava perfeitamente o nome da pessoa a quem a devia entregar.
— Mulholland, em Las Cruces — murmurou. — Não me esquecerei.
Ia a guardá-la quando notou que atrás do sobrescrito havia outro papel. Olhou com atenção. Era o retrato de uma jovem. Tinha-o tirado do bolso do morto juntamente com a carta. Olhou a dedicatória.
«A meu adorado pai, de sua filha Lilian», leu.
Estava diante do retrato da rapariga a quem havia de visitar para lhe transmitir as últimas palavras do pai. Que teria feito ele por ela? Por que razão ela tinha de lhe perdoar? Deu de ombros. Aquilo não era de sua incumbência.
Examinou de novo o retrato. Era um retrato muito deficiente, mas mesmo assim podia ver que representava uma bela rapariga, de grandes olhos, que sorria encantadoramente, deixando ver uma perfeita dentadura.
Guardou-o juntamente com a carta, no bolso da camisa, e olhou o empo sem vida que tinha ante si. Que fazer?
— O melhor será ir a Las Cruces e contar ao xerife todo o ocorrido para que mande buscar o cadáver.
Depois entregarei a carta e irei visitar a filha. Felizmente que este assunto não me leva a afastar do meu caminho, porque a senhora Brent também vive em Las Cruces.
A sua ideia dominante continuava sendo a de encontrar os pais e conhecer de uma vez para sempre a sua verdadeira identidade, mas não sabia que o destino o tinha metido numa verdadeira embrulhada e que teria de deixar passar algum tempo antes de poder continuar as suas pesquisas para solucionar o mistério que rodeava o seu nascimento e a sua vida.

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