PAS626. Não mais quero ouvir a palavra «cobarde»

O desejo de Ronald era estar só e vaguear pelas ruas, ao acaso. Já tarde regressou à pensão onde um criado lhe entregou uma carta de Hatter.
— Hatter? Mas... onde está ele?
— Ah! Não sabe? Foi-se embora.
Ronald apressou-se a ler a folhita.
«Adeus, senhor Bradlley. Você está farto de cobardes e eu não posso deixar de ser como sou. De qualquer modo, neste momento, considero-me um valente, pois é difícil separamo-nos. Não quero, no entanto, que se irrite mais por minha causa. Deseja-lhe muita sorte,
Danny Hatter
Amachucou o papel, deitou-o ao chão e pediu que lhe arranjassem o cavalo.
Pelo caminho soube para onde se dirigia Danny e correndo o mais que podia quis ver se conseguia apanhá-lo.
Depois de várias horas de galope desenfreado, Bradley conseguiu finalmente ver Hatter. Naquele momento preciso, o gordo subia para a carruagem de um comboio que o levaria à terra donde viera.
Ronald chegou ainda a tempo de o puxar pelas abas do casaco, rasgando logo uma.
— Senhor!... — exclamou Hatter, gratamente surpreendido.
— Venha daí, seu paspalho!
— Não posso. O comboio vai partir...
— E acha que ele dará pela sua falta?
— Mas eu não consigo que a minha barriga passe para outro lado...
E esforçava-se por conseguir o seu propósito.
— Que barbaridade! Fazem as portinhas para famintos e não se lembram dos bem nutridos!
Ronald, como pôde, lá o ajudou a sair do comboio, exatamente no momento em que a máquina apitava para partir.
O secretário de Ronald ficara em estado lastimoso. De casaco rasgado, cabelos em desalinho, a suar por todos os poros, Danny dava vontade de rir aos que tinham presenciado a cena.
— Com que então, senhor Hatter, é assim que você estima os seus amigos?
— Pois claro. Não quero ser testemunha da sua morte e muito menos ouvir da sua boca a palavra «cobarde» no tom mais desdenhoso que se pode conceber.
— Lamento tê-lo ofendido, meu velho, mas acho que não tem melhor prova do muito que eu o estimo do que o facto de o ter vindo buscar. Esqueça as minhas palavras e voltemos a Buck Springs.
— Mas...
— Onde deixou o «Veloz»?
— Entreguei-o ao chefe da estação para que ele o enviasse depois ao senhor.
— Vamos buscá-lo.
Danny, embora fingindo pouco entusiasmo, sentia-se profundamente emocionado com a atitude de Ronald.
De súbito, deteve-se.
— Meu Deus, a minha mala!
— Que aconteceu?
— Foi no comboio. Entrou primeiro do que eu.
— Não se preocupe. Vamos tentar que a recolham e deixe o resto por minha conta.
Meia hora volvida, Ronald aparecia com um grande embrulho debaixo do braço. Eram roupas para Danny. O nosso homem experimentou várias, forçou casacos, mas nada. Não cabia dentro delas e finalmente, depois de tanto trabalho, teve de voltar em mangas de camisa.
A meio do caminho, Hatter perguntou:
— Diga-me, senhor Bradley: isto significa que você está disposto a não lutar mais nem a brincar com a morte como tem feito até aqui?
Ronald respondeu em tom emocionado:
— Não, Danny. A minha atitude explica-se desta maneira: se você me estima como a um filho, eu quero-lhe como se fosse meu pai e a minha solidão, se você me abandona, será absoluta e desesperada. Não sei onde me levará tal desespero e, por isso mesmo, lhe peço que fique. Acha que é suficiente a explicação?
Hatter não pôde responder. Tinha um nó na garganta que não deixava sair mais palavras e os olhos marejaram-se-lhe de lágrimas.

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