PAS634. Um fantasma visita o panteão

A claridade do luar permitia vê-lo em todos os detalhes. A uns quarenta ou cinquenta metros de distância, uma sombra branca passeava em frente do edifício.
Henry passou a mão por diante dos olhos. No primeiro momento julgou tratar-se duma ilusão de ótica, porém, uma nova observação, convenceu-o de que a silhueta branca era algo positivo e real.
— Pois bem — murmurou — o que é necessário determinar é se se trata de um espectro ou de uma pessoa em carne e osso.
Observou a silhueta uns segundos, vendo-a afastar-se em direção ao panteão. Caminhava lentamente, como se quisesse fazer uma demonstração da sua presença naquele lugar.
— Será a alma de Rosemary Jullien? —perguntou a si próprio, estremecendo de horror, mau grado seu.
Não se demorou mais. Procurou a porta de saída e, iluminando-se com fósforos, chegou à cozinha, saindo depois.
Olhou para o panteão. O fantasma continuava a andar, mas era evidente que o alcançaria em poucos minutos.
— Tenho de impedir isso — murmurou, começando a correr tão silenciosamente quanto lho permitiam as botas de tacão alto.
Em poucos momentos chegou junto ao espectro, que se encontrava já a uma escassa dezena de metros do panteão. Henry teve de reprimir um grito de surpresa.
Não se tratava dum fantasma, mas sim da própria Rosemary Jullien!
A rapariga vestia uma camisa de noite de seda branca, por sobre a qual tinha colocado um penteador da mesma cor. Era este trajo que, visto de longe, lhe conferia a aparência de um espectro.
la chamá-la, mas conteve-se ao observar-lhe o rosto. Viu na expressão da rapariga algo que o deteve. Rosemary tinha os olhos abertos mas nao via. As pupilas estavam fixas num ponto situado infinitamente longe dali e dava a impressão de se encontrar em transe cataléptico.
— É sonâmbula — murmurou Henry para si próprio.
Em consequência, cuidadosamente evitou acordá-la. Deixou que a rapariga continuasse o seu caminho, absolutamente indiferente a tudo quanto a rodeava, como se se encontrasse num mundo inteiramente distinto.
Rosemary continuou aproximando-se do panteão. Absorto pelo espetáculo, Henry contemplava-a admirando intimamente a subjugadora beleza da dona do rancho.
De súbito, Rosemary começou a falar, com frases entrecortadas.
— Não... não venderei... Prefiro voltar para a minha tumba... Se me matais pela segunda vez, sairei do sepulcro todas as noites e o meu fantasma recordar-vos-á, eternamente, a vilania que cometestes... Ide-vos daqui... parti... Deixai-me, deixai-me em paz... Este rancho é meu... tal como o panteão... Aqui vivo eu... nesta sepultura...
O assombro de Henry aumentava de momento a momento. De súbito, Rosemary fez um gesto com a mão.
O jovem notou que ela tinha urna chave e, acertadamente, supôs ser a da grade de entrada do mausoléu. Rosemary tentou introduzi-la na fechadura.
Mas não chegou a fazê-lo. Agiu com movimentos inseguros e a chave, com um ruído metálico, chocou contra a fechadura antes de se introduzir nesta.
O silêncio era tão grande que o ligeiro rumor pareceu muito maior do que tinha sido.
Rosemary estremeceu. Lançou um grito.
— Oh, não, não — e, de repente, uma expressão de terror acudiu-lhe ao rosto.
Henry compreendeu que a rapariga acabava de despertar. Viu-a levar uma mão à boca, ao mesmo tempo que retrocedia, com os olhos dilatados pelo espanto de se ver em frente ao mausoléu.
O jovem compreendeu que Rosemary estava prestes a ter um ataque de nervos ou algo pior, e dirigiu-se-lhe:
— Não tema, senhorita Jullien — disse. — Estou junto de si.
Ela voltou-se ao ouvi-lo talar. Então, o seu busto bem modelado distendeu-se num suspiro profundíssimo. Fechou os olhos e descaiu para um lado.
Só a rapidez de reflexos do jovem impediu que a queda se consumasse. Estendeu os braços, acolhendo neles o corpo de Rosemary antes que tocasse no solo.
A cabeça da rapariga tombou lassamente, enquanto um dos braços e os longos cabelos ficavam pendentes. Henry contemplou-a uns segundos, admirando a soberana formosura da dona do rancho, que o desmaio realçava ainda mais. Depois, sem se deter, regressou a casa.
A luz que penetrava pelas janelas era mais que suficiente para que se pudesse ver no interior do edifício. Henry conduziu-a para a sala de jantar, sentando-a numa poltrona, em cujo espaldar lhe apoiou a cabeça.
Em seguida procurou uma bebida alcoólica, encontrando, por fim, uma garrafa. Deitou o líquido num copo e acercou-se depois da rapariga, obrigando-a a abrir a boca.
O ardor do álcool fez-lhe chegar as lágrimas aos olhos e tossir fortemente. As cores voltaram àquelas faces tão pálidas corno a lua.
Finalmente, abriu os olhos.
Primeiro, com expressão ausente, como se se desse conta do que estava sucedendo, olhou à sua volta. De súbito, notou que não se encontrava no quarto mas na casa de jantar e então pôs-se de pé.
— Acalme-se, por favor, senhorita Jullien — disse Henry suavemente. — Não se aflija, está em sua casa.
Ela passou a mão pela fronte. Então, olhou o jovem.
— Que me sucedeu? Porque me trouxe para aqui, McLeff?
— Fui forçado pelas circunstâncias, senhorita Jullien — respondeu o jovem, relatando--lhe, resumidamente, o ocorrido. Concluiu — Não me pareceu correto levá-la para o quarto e por isso a trouxe para aqui.
Ela notou então que tinha o penteador quase completamente aberto e fechou-o com um instintivo gesto de pudor. Corou vivamente.
Henry serviu-lhe novamente licor.
— Tome outro copo — disse. — Far-lhe-á muito bem.
Rosemary obedeceu, bebendo em silêncio. Depois olhou-o fixamente.
-- De modo que me surpreendeu quando estava quase a entrar no panteão.
— Exatamente. Estava indeciso, pois sei que não é inconveniente despertar uma pessoa em transe de sonambulismo, sob pena de lho causar um grave prejuízo, mas a senhorita acordou por si própria. E quase imediatamente perdeu os sentidos.
— Disse alguma coisa enquanto... enquanto estava adormecida?
— Sim... mas nada que, dum modo geral, eu não soubesse já. Disse que não queria vender o rancho...
— Com certeza me referi a algo mais, Mc Leff — insistiu a rapariga, evidentemente recuperada.
Henry não queria mencioná-lo, mas ela obrigou-o.
Baixou a cabeça.
— Disse que... se a matassem pela segunda vez, sairia da sepultura para lhes recordar o crime.
— A quem?
O jovem encolheu os ombros.
— Isso, quem sabe é a senhorita.
— Não o disse? Não pronunciei nenhum nome?
— Absolutamente. Pelo menos, que eu tivesse ouvido.
— Foi pena — respondeu friamente.
— Porquê?
— Porque assim saberíamos quem foi o assassino de minha mãe.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PAS743. A história do homem que matou o melhor amigo

HBD013. Aventuras de Kit Carson publicadas em Portugal