PAS645. A última missão do cavaleiro ferido (3)

Vinte e cinco quilómetros a Norte de Rio Frio o cavaleiro voltou a perder os sentidos.
Mas, desta vez, o cavalo estava demasiado assustado para ter em conta o estado de saúde do homem que o montava. Os abutres, irritados de seguirem a sua presa durante tanto tempo, começaram a lançar-se em voo picado sobre o animal, assustando-o com o adejar das gigantescas asas e com grasnidos ferozes, como se esperassem que ao encabritar-se o cavalo a carga humana escorregasse para o solo e lhes ficasse à mercê das garras e dos afiados bicos.
Milagrosamente, porém, o cavaleiro manteve-se na sela como se a ela estivesse grudado. Os seus braços continuavam a rodear o pescoço do nobre bruto, como se o subconsciente o avisasse de que a sua salvação dependeria disso.
A planície à sua volta oferecia algumas manchas de erva, cuja cor amarelecida indicava claramente a impossibilidade de vida para qualquer vegetal que se encontrasse sujeito durante o dia à incidência dos raios ardentes daquela espécie de globo imenso e cegador que parecia flutuar no espaço, fazendo brilhar a terra e pondo nas arestas das pedras reflexos tão vivos como os que emitiria a lâmina afiada de uma faca exposta à sua luz.
Durante muito tempo, enquanto o cavalo seguia matraqueando a terra, inóspita e plana como a palma da mão, o homem permaneceu desmaiado; entretanto, as sinistras aves voavam cada vez mais perto do animal, cruzando defronte dele como visões fantasmagóricas que punham nos olhos do nobre bruto reflexos de loucura, de indecisão e de espanto.
Por fim, na linha do horizonte, pareceu surgir algo do meio da própria terra. Ao princípio não passava de uma pequena silhueta com dois pontos negros. Ao aproximarem-se, porém, esses dois pontos negros converteram--se nas torres do minúsculo forte dos batedores do Texas. E cinco quilómetros após a primeira visão, surgiu o conjunto completo, com a sua paliçada de toros, a porta e a sombra que toda a construção projetava sobre a terra calcinada onde se erguia.
O cavaleiro gemeu.
Além da flecha que tinha cravada nas costas e que havia conseguido partir para evitar que o balanço do cavalo a fizesse penetrar ainda mais na carne, tinha uma ferida no ventre e a perna esquerda atravessada por dois projéteis. Quanto sangue havia perdido?
Muito.
Apenas lhe restava no corpo a quantidade suficiente para continuar a fazer palpitar, cada vez com maior debilidade, o coração que parecia gemer a cada esforço, a cada circuito sanguíneo que o fazia contrair ou dilatar. A pele do homem havia tomado uma cor cerúlea, prova indubitável da grande sangria que sofrera.
Entre as brumas que lhe invadiam a mente, havia imagens de horror que, apesar do seu estado, continuavam a fazê-lo estremecer como se se desenrolassem uma vez mais ante os seus olhos espantados.
Sabia que ia morrer.
No fundo da sua alma torturada, tinha a certeza de que aquela era a sua derradeira viagem. Mas desejava fazê-la. Tinha de a fazer. Porque era necessário, ou antes, absolutamente imperioso, que contasse a alguém o que tinha visto, para que aqueles infelizes seres, entre cujos cadáveres havia vagueado como um morto mais, fossem devidamente vingados.
Haviam-se-lhe apagado da mente todas as demais recordações. Era um homem velho, de mais de sessenta anos; mas tinha uma constituição física tão excelente que deixava muitos jovens envergonhados. E era precisamente essa constituição física que lhe estava a permitir levar a cabo tal façanha.
Morria sem remorsos de espécie alguma, pois portara-se como um homem até ao fim, defendendo os fracos e os oprimidos de armas na mão. Mas fora inútil. E agora, no meio da escuridão que a pouco e pouco lhe ia invadindo o cérebro, tentava procurar qualquer coisa, agarrar--se a algo invisível que lhe permitisse, pelo menos, chegar ao acampamento dos batedores.
E estava a consegui-lo.
Sobre o couro da sela, o sangue havia deixado manchas que, a pouco e pouco, tinham ido enegrecendo. E no ar, talvez vendo-o ou cheirando-o, saboreando a essência viva que brotava das feridas do homem, os abutres prosseguiam na sua louca corrida, descrevendo círculos concêntricos cada vez mais perto do cavalo, já tão desesperados que se mostravam dispostos a lançar-se em qualquer momento sobre o animal, cravando-lhe as garras na carne para o obrigarem a soltar a presa que continuava a transportar sobre o dorso.

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