BUF101. Cap VI. June tem um encontro

No dia seguinte, Chester e Patt empreenderam o regresso ao «Belo Texas».
Embora a paisagem em nada houvesse mudado, o jovem achava-a mais formosa que a contemplada pelos seus olhos no dia anterior.
June amava-o e isto fazia que o dia fosse mais luminoso para ele, inundando o seu coração de alegria.
Patt cavalgava a seu lado assobiando uma canção ligeira, que sala dos seus lábios totalmente deturpada. De vez em quando olhava Chester de soslaio e sorria.
De súbito, interrompeu o concerto para perguntar:
— Que tal te correram as coisas ontem, Chester?
— A que coisas te referes?
— A rapariga. Sabes isso sobejamente. Pela cara que trazes, creio que tudo caminhou sobre rodas, não?
Chester sorriu.
— Sim... Foi tudo bem. Na realidade, foi melhor do que eu esperava.
— Sempre tens uma sorte! — suspirou Patt.
Chester não respondeu.
Meteram os cavalos a galope curto e em pouco mais de duas horas haviam percorrido metade do caminho. Acabavam de subir ao cimo de uma ligeira vertente, da qual se dominava uma grande extensão de terreno, quando divisaram no longe uma grande nuvem de pó que avançava velozmente em direção a eles. Chester foi o primeiro a vê-la e refreou o seu cavalo. Patt fez o mesmo.
— Quem serão aqueles? — perguntou o gigante ao seu amigo.
A pergunta ficou sem resposta, pois que Chester tinha a vista fixa no grupo que se acercava, sem conseguir distinguir de quem se tratava, apesar do seu invejável alcance visual.
Por entre a nuvem de poeira eram já visíveis as silhuetas de cinco homens a cavalo.
— Depressa, Patt! Escondamo-nos atrás dessas rochas! Não me agrada a direção que essa gente leva e gostaria de saber quem são antes que nos vejam.
Um enorme penedo situado a um lado do caminho oferecia-lhes um excelente esconderijo, atrás do qual os dois amigos se refugiaram, ficando assim ocultos à vista dos que se acercavam.
«Risonho» Mulder, acompanhado dos seus quatro amigos, passou perto deles, sem se aperceber de que ali estavam escondidos dois dos homens aos quais devia o seu tremendo fracasso do dia anterior.
Chester conteve a custo uma exclamação de surpresa ao ver Smilin e os seus homens.
— Estás a ver, Patt? — perguntou, quando eles passaram. Sim, creio que esses tipos voltam ao vale.
— Não me parece. São apenas cinco. Da pri-meira vez eram nove e fracassaram. Quando Mul-der lá voltar será com todas as vantagens da sua parte.
— Tens razão, mas não percebo... ?
— Temos de vigiar esses homens, Patt. Mulder deve querer arrancar a espinha de ontem, e sabe Deus o que andará a tramar.
O gigante coçou a cabeça. Aquilo era superior ao seu curto entendimento, e sempre que se en-contrava perante uma situação demasiado com-plicada, deixava que Chester magicasse por ele.
— Bem, então, tu dirás o que temos a fazer…
— Vamos atrás deles 'e veremos quais são as suas intenções. Atuaremos conforme o que eles façam.
Seguiram o grupo que os precedia, aproveitando as rochas e aglomerados de árvores que encontravam, e ao cabo de uma hora de boa marcha Mulder deixou o caminho que conduzia ao vale em linha recta e desviou-se para a esquerda.
— Para onde irá ele? — perguntou Chester.
— Olha, Chester! — exclamou Patt, passado um pedaço. — Agora embrenha-se no bosque e corta para a direita.
— Pois claro! — disse o rapaz, dando uma palmada na testa. — Aproxima-se da garganta, seguindo o caminho do bosque. Assim, evita ser visto pela sentinela do major, sempre vigilante lá em cima. Mulder não é nada tolo, mas que pretenderá?
Com as maiores precauções continuaram a marcha por entre as árvores, até que chegaram a um ponto em que era muito arriscado prosseguir, sem que o ruído das patas dos cavalos denunciasse a sua presença aos homens que perseguiam.
Chester deteve o cavalo e Patt imitou-o.
— Toma tu as rédeas, Patt — disse, enquanto desmontava. — Espera-me aqui. Vou ver o que eles fazem. Daqui a pouco faz-me qualquer sinal para que eu possa voltar sem dificuldade.
Entregou as rédeas ao amigo e caminhou a pé em seguimento de Mulder e dos seus homens, guiando-se pelo rasto que os cavalos iam deixando na espessura.
Teria percorrido escassamente meia milha, quando as árvores começaram a rarear, e pouco mais além divisou a planície que se estendia entre o bosque e a beira do precipício.
Ouviu rumor de vozes à sua direita e deitou-se no chão, arrastando-se para aquele lado, sem fazer o menor ruído, até que alcançou uma pequena clareira do bosque.
Mulder e os seus homens estavam ali, preparando-se para acampar. Agachado atrás de uns matagais que cresciam no meio de corpulentos carvalhos, Chester pôde ver perfeitamente que despojavam os cavalos das selas, enquanto um deles começava a partir lenha.
Aos seus ouvidos chegavam distintamente os golpes vibrados pelo machado numa árvore e logo o rumor da conversa sustentada pelos foragidos entre si, enquanto um deles acendia a fogueira, mas não conseguiu perceber o que diziam. Gostaria imenso de saber de que falavam, mas era muito exposto acercar-se mais e retrocedeu com a maior precaução.
Quando calculou que não podia ser ouvido, pôs-se de pé e correu para o sítio onde havia deixado o seu amigo com os cavalos.
O crocitar de um corvo chegou-lhe aos ouvidos.
«Deve ser o Patt» pensou.
Guiado por estes sinais, chegou junto do amigo.
— Descobriste alguma coisa, Chester?
— O suficiente para imaginar o resto res-pondeu o rapaz. — Os tipos acamparam aqui perto.
— Para quê?
— De duas, uma. Ou querem vigiar o vale para impedir que alguém saia dele, enquanto não recebam os reforços que os outros devem ter ido buscar, ou espreitam uma ocasião propícia para os atacar, aproveitando a ausência de alguns deles.
Patt coçou a cabeça confuso.
— Podíamos cair-lhe em cima e liquidá-los antes que eles dessem por isso. Hem, Chester? Que te parece?
O rapaz cogitou uns instantes e, por fim, en-carou o amigo.
— Não — disse. — Tenho um plano melhor. Vamos nós vigiá-los a eles. Não será difícil, pois não tomaram grandes precauções, julgando que ninguém os seguira até aqui. Vamos!
Montou a cavalo e, seguido de Patt, dobrou para a esquerda até lhe parecer que estavam a suficiente distância dos homens de Mulder, para poderem caminhar sem serem descobertos. Então, seguiram em frente até à fileira de árvores, meia milha mais acima do lugar onde os bandidos estavam acampados.
Mesmo no limite do bosque, erguiam-se algumas rochas isoladas, atrás das quais detiveram as montadas.
— Magnífico, Patt. Aqui poderemos' ocultar--nos e observá-los sem que eles se apercebam.
Deixaram os cavalos junto às árvores e acercaram-se das rochas, arrastando-se, e ali, ergueram-se para perscrutar.
A clareira estava completamente deserta, não se notando o menor movimento, mas isto não constituiu uma surpresa para Chester, porque já o esperava. Os seus olhos percorreram atentamente a última linha de árvores. Em princípio não viu nada, mas logo um ligeiro movimento lhe chamou a atenção, denunciando o lugar onde se encontrava o homem que vigiava a clareira, sentado no chão, encostado a uma árvore, que o ocultava quase completamente.
Chester não via mais que parte dos ombros e dos braços, mas bastou-lhe para se certificar de que um dos homens de Mulder vigiava o caminho que constituía a única saída do vale por aquele lado.
— Já vi o bastante — disse Chester. Retiremo-nos daqui.
Saíram detrás das rochas e, já outra vez junto dos cavalos, Chester falou para Patt:
— Se temos de ficar aqui, um de nós tem de voltar ao «Belo Texas» a buscar provisões. Creio que deves ir tu, Patt, e portanto, quanto mais depressa partires, melhor. Já sabes voltar, não é assim?
— Pois claro — respondeu o gigante.
— Então, larga-te rápido... e não demores mais que o tempo imprescindível. Traz o mais necessário para acamparmos quatro ou cinco dias. Tens dinheiro?
— Devo ter o suficiente. Bom, até à vista e não te arrisques excessivamente.
Montou a cavalo e partiu, enquanto Chester se preparava para acampar atrás das rochas.
*
June dispôs-se a dar o seu habitual passeio a cavalo. Estava já acomodada na sela, e a sua esplêndida figura de amazona resplandecia ao alegre sol da manhã, quando seu irmão apareceu à porta da casa. Acercou-se, sorrindo encantado àquela bela estampa.
— Vais passear, June?
A jovem limitou-se a fazer um gesto afirmativo.
— Necessitas de estar só, hem? — tornou o major, com um brilho malicioso nos seus olhos cinzentos, que fez ruborizar June.
— Como adivinhaste? — perguntou ela, por sua vez.
— Bem... li nos livros que quando uma pessoa está enamorada, procura a solidão...
— Oh! Ronald! Não sei como...
— Mas, querida, até um cego veria o que diziam os teus olhos, quando ontem te despediste dele... E, com certeza, Hards também notou o mesmo. Não é assim, Hards?
O gigantesco barbudo que segurava as rédeas do cavalo sorriu com evidente embaraço, coçou uma orelha, olhou June e pousou os olhos no chão para dizer:
— Bem... menina June... a verdade é que não disfarça bem...
— Oh!... — exclamou a rapariga. E tomando apressadamente as rédeas das mãos de Hards, ocultou a sua perturbação numa rápida fuga.
— Tem cuidado, June! — gritou-lhe o irmão. -- Não te afastes demasiado!
A rapariga subiu o vale para o Norte, até um lugar onde as paredes da colina já não eram tão verticais, depois torceu à direita e subiu a íngreme encosta, até que alcançou o extremo do planalto.
Penetrou no bosque, apeou-se do cavalo e foi sentar-se no grosso tronco duma árvore tombada, distraindo-se a meditar no seu amor por Chester, um sentimento que se sobrepunha a qualquer outra sensação.
Tudo sucedera tão rapidamente, que não tivera tempo para pensar, nem sequer sabia de Chester mais do que ele quisera dizer-lhe. Mas, afinal, que importava?
Desde o dia em que dele recebera o primeiro auxílio, quando a caravana fora atacada pelos sequazes de «Risonho» Mulder, sabia que aquele rapaz viria a significar para ela muito mais que um encontro casual, e não se havia enganado.
Amava-o com toda a alma e o saber-se correspondida proporcionava-lhe uma grande alegria, convidando-a a cantar.
Ergueu os olhos do chão e o trinado que já lhe saía da garganta transformou-se numa exclamação de medo e assombro.
Na sua frente, encostado ao tronco de uma árvore, estava Mulder em pessoa, olhando-a com um sorriso de mofa nos seus lábios delgados.
June ficou paralisada pelo terror ao considerar a situação. Aquele homem poderia utilizá-la para obrigar seu irmão a entregar-se.
Agora compreendia quanta fora imprudente, afastando-se de casa depois do incidente do dia anterior. Olhou para todos os lados, mas não vislumbrou ninguém pelas proximidades, além de Mulder, e a esperança tranquilizou-a um pouco, pensando que talvez tivesse uma oportunidade para fazer uso do seu pequeno revólver, aproveitando uma distração do foragido.
Mulder avançou para ela, mirando-a descaradamente dos pés à cabeça, com gestos de aprovação.
— Belo, belo! — disse, sem perder o sorriso trocista. De modo que nos encontramos outra vez...
June levantou-se do tronco em que estava sentada e deu meia volta no intuito de deitar a correr, mas Mulder lançou-se sobre ela e prendeu-lhe fortemente um pulso com a sua manápula.
— Quieta, pombinha... — disse. — Vamos dar um passeiozinho os dois. O azar não havia de estar sempre contra mim.
Os olhos da rapariga destilaram desprezo.
— Largue-me, seu canalha! — exclamou.
Mulder acentuou a pressão da sua garra no pulso de June. A rapariga levantou rapidamente a mão direita e pespegou-lhe uma bofetada na cara. Mulder soltou um rugido de raiva e apertou-a fortemente nos braços.
June debateu-se furiosamente, tentando libertar-se daqueles braços de ferro, mas Smilin estreitou ainda mais o abraço, apertando-a até quase a deixar sem respiração.
O rosto do bandido era mais repulsivo que nunca, descomposto pela fúria de que estava possuído.
— Desta vez vais pagar bem caro, ouviste? — murmurou, arrastando as sílabas, os olhos injetados de sangue. Pensava deixar-te livre em troca do teu irmão, mas agora já não o farei, percebes? Entrego-o a ele e a ti só te deixarei quando estiveres feita num farrapo que nem um mendigo quererá tocar, Benson! Stid! — chamou.
Os dois homens saíram detrás de uns arbustos onde se ocultavam.
— Segurem-na bem — ordenou Smilin. — Tivemos mais sorte do que eu esperava e vamos partir imediatamente. Agora tenho todos os trunfos na mão e serei eu o último a rir.
Arrastaram a rapariga para o acampamento, seguidos de Mulder, que conduzia o cavalo de June pela brida. Chegados ali, arremessaram violentamente a jovem para o chão e prepararam-se para deixar aqueles lugares.
Como que mergulhada num horrível pesadelo, June assistiu aos preparativos da partida. Mas só uma coisa viu claramente: que seu irmão se entregaria a Mulder, apenas este lhe dissesse que a tinha em seu poder.
Lágrimas de amargura lhe subiram aos olhos ao pensar que, afinal, todos os seus esforços para fugir ao cativeiro tinham sido inúteis e que, por fim, seu irmão seria preso, e que ela seria a isca empregada pelos captores.
O seu pensamento voou para Chester.
«Se ele soubesse disto — murmurou tristemente — não hesitaria em correr em meu auxílio».
E a esperança de que Chester e Patt não deixariam de vir em seu socorro, animou-a um pouco.
«Oh! Meu Deus! Mas como hão-de saber para onde me levam?» — e de novo o desalento se apoderou dela.
June nem por sombras podia imaginar que naquele momento Chester, oculto entre o arvoredo, presenciava a sua tortura, esperando o instante propício para intervir.
A voz de Smilin pareceu a June vinda de muito longe quando lhe ordenou que montasse a cavalo.
— Se promete não fazer tolices, prometo não a amarrar, mas à menor tentativa de fuga não terei contemplações. Andando. Rapazes, vamos! Temos de chegar ao acampamento o mais breve possível. Alex espera-nos para levar a cabo a segunda parte do programa.
— E que programa! Hem, Mulder? — disse Benson.
Os outros dois Meliantes coroaram aquela insinuação com grosseiras gargalhadas.
Quando deixaram o bosque, Benson e Stid colocaram-se à cabeça, seguidos de Mulder e June. Crown e Willmore fechavam o cortejo...
Duas lágrimas rolaram pelas faces de June ao pensar no fracasso de todos os seus planos para se esconder com seu irmão, e o seu pensamento voou outra vez para Chester, pedindo a Deus que o seu auxílio chegasse a tempo.
*
Atrás das rochas que o ocultavam da vista dos bandidos, Chester não desviava a atenção do homem que vigiava a clareira.
Havia já duas horas que Patt tinha partido a fim de comprar alimentos para poderem acampar ali, e durante todo este tempo Chester não havia deixado de vigiar.
De súbito, o homem levantou-se, olhou ao longe, protegendo os olhos com a mão e depois penetrou apressadamente na espessura.
— Que terá ele visto ? — perguntou-se.
Olhou com atenção. No outro extremo do bosque acercava-se um cavaleiro. A distância, não conseguiu ver quem era, até que o sol fez rebrilhar a loira cabeleira de June.
— Grande Deus! — exclamou Chester. — É June! E vem só!
Num instante, passou-lhe pelo cérebro o proveito que Mulder podia tirar da situação. Exigiria a entrega imediata do major em troca da irmã, e Chester não duvidou de que Ronald se entregaria logo à prisão, para que June não ficasse nem mais um minuto nas garras daquele chacal.
Era seguro que a jovem havia sido descoberta e mais seguro ainda que Mulder não deixaria escapar aquela oportunidade de se vingar do major e de passagem embolsar os 10 000 dólares. Saiu de entre as rochas, e, com infinitas precauções, aproximou-se do acampamento de Mulder.
June estava já a cavalo, e Chester podia distinguir o seu belo rosto abatido pela dor. Jurou a si próprio que Mulder pagaria bem caro cada uma das lágrimas que lhe rolavam pelas faces.
Esteve tentado a sair da espessura de revólver em punho e cair sobre os bandidos, disparando velozmente sobre eles. A surpresa proporcionar-lhe-ia certas vantagens, mas o receio de que disparassem contra June, quando se vissem perdidos, conteve-lhe os ímpetos.
«Terei de os seguir — pensou — e esperarei a ocasião propícia para cair sobre eles. Oh! Se Patt estivesse aqui!».
O seu amigo não tardaria a chegar, estava certo disso, mas ele é que não podia esperar. Tinha de seguir os bandidos se não queria perder-lhes a pista, e, assim, todas as possibilidades de salvar June.
Voltou às rochas, selou o cavalo, pensando em como indicaria a Patt o caminho que havia seguido.
Puxou por um bloco-notas do bolso da camisa, arrancou uma folha e escreveu rapidamente umas linhas. Depois, colocou o papel escrito debaixo de uma pedra, mas bem visível, montou a cavalo e lançou-se em perseguição de Mulder e dos outros foragidos, que naquele momento abandonavam o bosque, lançando-se a galope pela pradaria ondulante, levando June prisioneira.

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