KNS074. CAP V: O sacrifício do cavalo domado

Trabalhando agora como domador de cavalos, com mais dez dólares por mês e muito menos que fazer, Roy ocupou-se conscienciosamente da preparação do' alazão e da égua, deixando que o rosilho se restabelecesse do ferimento da pata. No sábado pela manhã foi buscar o alazão, já muito domesticado, para dar um longo passeio.
Afastou-se umas dez milhas na direção das montanhas, levando o cavalo a trote na intenção de poupar-lhe as forças para uma boa galopada durante o caminho de volta, e estava exatamente a pensar em fazer galopar o animal quando, ao passar em frente de uma estreita garganta que desembocava perto das nascentes do Canadian River, ouviu, a distância, mas perfeitamente nítidos, ecos de detonações.
Donovan, que não sentia a aversão de muitos vaqueiros pelo uso da espingarda, nunca saía sem levar a sua. Parando o alazão, empunhou a arma e verificou que estava carregada e em perfeito estado de funcionamento. Então fez com que o animal se internasse pela garganta, de onde continuava a vir o som de tiros frequentes.
Avançando a trote largo foi ouvindo cada vez mais próximo o tiroteio. Quase a seguir, pela abertura de urna das paredes de rocha, que alargava o desfiladeiro Para a esquerda, mais além do que Roy podia ver do sítio onde estava, distinguiu movimento.
Dois cavaleiros conduziam umas quantas cabeças de gado, enquanto outros quatro, rodeando uns penhascos, disparavam contra alguém que respondia aos tiros, tão furiosa como inutilmente.
As dúvidas de Roy, sobre o que estava a acontecer, foram de muito curta duração. Era evidente que se tratava de um assalto de ladrões de gado, e enquanto o grupo maior travava tiroteio com o vaqueiro, ou o par de vaqueiros, que vigiava os animais, os outros levavam as reses.
Fazendo parar o alazão, levou a espingarda à cara e, apontando cuidadosamente, fez fogo.
A distância era cerca de quinhentos metros e o alvo movia-se constantemente, de maneira que Roy não esperava acertar à primeira tentativa. Mas esquecera-se inexplicavelmente de que não montava «Dark» mas sim um animal meio domado, que não estava habituado aos tiros. O cavalo recordou-lhe imediatamente, encabritando-se, espantado, ao mesmo tempo que relinchava de pavor.
Durante os instantes seguintes, Roy não pôde ocupar-se de outra coisa senão de manter-se sobre a sela, tarefa que não era fácil, porque largara as rédeas para empunhar a espingarda e agora, não querendo abandonar a arma, só podia agarrar-se com uma das mãos ao arção da sela.
Roy não soube quanto tempo durou aquilo nem o que aconteceu entretanto, mas de súbito o animal foi--se abaixo, caindo pesadamente, e ele só teve tempo para desprender os pés dos estribos e saltar de lado, evitando que o corpo do alazão lhe caísse sobre a perna.
Não ouvira os tiros nem notara a aproximação dos bandidos, porque a sua luta com o alazão o impedira de ver o que se passava à sua volta, mas isso não o impediu de compreender que se encontrava numa situação quase desesperada. Tendo perdido a espingarda, na queda, empunhou um dos «Colts» mesmo antes de levantar a cabeça para ver o que o ameaçava.
Um cavaleiro vinha sobre ele, e no mesmo instante em que o viu, distinguiu o fumo branco que surgia do revólver do homem, e ouviu a detonação juntamente com o zumbido da bala. Instintivamente, levantou a arma que empunhava e fez fogo.
Empurrado pela bala, o bandido caiu para trás e rolou no chão por momentos, até ficar imóvel.
Mas Donovan nem olhou para ele. Levantara-se de um salto e disparou sobre outro cavaleiro. O homem desviou habilmente o cavalo e fê-lo encabritar-se, para se encobrir, ao mesmo tempo que se debruçava para alvejar o vaqueiro. Este, porém, antecipou-se e meteu--lhe urna bala entre os olhos.
Um pouco mais longe, um terceiro bandido, assustado pelo rápido fim dos seus companheiros, deteve o seu cavalo e obrigou-o rudemente a dar meia volta, fugindo e disparando uma chuva de balas, ao acaso, para proteger a sua fuga.
Roy atirou-se ao chão e fez fogo sobre o fugitivo, mas perdera uns instantes preciosos e o bandido afastava-se com a rapidez de um raio, de maneira que não pôde atingi-lo. Donovan tinha visto a morte muito de perto e es-t.a.va, além disso, furioso pela perda do alazão. Endireitando-se, procurou febrilmente a espingarda.
Todavia levou algum tempo a dar com ela. A erva, alta e espessa, não deixava ver o chão, e foi preciso afastá-la com as mãos até que, finalmente, descobriu a espingarda. Mas nessa altura já o resto dos bandidos havia desaparecido, esgueirando-se sem dúvida pela abertura da muralha.
Roy aproximou-se então do alazão e viu que ainda respirava, embora atingido por uma bala que devia ter perfurado os pulmões, a julgar pela espuma sanguinolenta que lhe manchava o freio. Nada podia fazer para o salvar.
Não tinha tremido a mão do vaqueiro, ao disparar sobre os bandidos para defender a sua vida, mas tremia-lhe agora, ao disparar o tiro de misericórdia na cabeça do pobre animal.
Viu então dois homens que apareciam de entre as rochas em torno das quais os assaltantes tinham galopado pouco antes, disparando. Traziam os cavalos à rédea e dispunham-se a montar, possivelmente para se aproximarem dele. Roy observou-os por um momento e foi depois examinar o homem sobre quem disparara o seu primeiro tiro de revólver.
O bandido tinha uma ferida no peito, com mau aspeto, mas embora inconsciente respirava ainda. Na queda perdera o revólver, que não se via perto dele, de maneira que não representava perigo mesmo que recuperasse os sentidos e tivesse forças suficientes para tentar alguma coisa. Deixando-o, Roy foi observar o outro, mas este oferecia ainda menos perigo porque estava morto. Os dois cavaleiros aproximavam-se. Ray esperou-os, guardando o revólver no coldre.
Eram dois rapazes, um dos quais levava um lenço ensanguentado em volta do antebraço direito. Pararam perto de Roy.
— Chamo-me Pythias Lecky, e este é o meu companheiro Alain Sewell... — disse o vaqueiro ileso, um tipo magro, de pernas compridas. — Chegaste no momento próprio, camarada, e estamos-te muito gratos,
— Vocês teriam feito o mesmo por mim. O meu nome é Donovan, Royal Donovan, mas os amigos chamam-me Roy.
— O texano do «Shoe»! Ouvimos falar em ti, companheiro. Dave e Jed, os filhos do patrão, contaram--nos como domaste a égua. Muito prazer em conhecer-te.
Os dois vaqueiros desmontaram e apertaram vigorosamente a mão de Roy.
— Vocês trabalham para «Mr.» Enders?
— Sim.
— Um tipo simpático, segundo me pareceu.
— Quando não lhe roubam gado... — sorriu o rapaz ferido. — Porque não nos acompanhas ao rancho? Ele deve com certeza querer agradecer-te, porque lhe salvaste uma boa porção de reses.
— Qualquer dia passarei por lá, mas agora preciso voltar ao «Shoe». Tenho de contar a «Mr.» Marvin como perdi o alazão. Vocês também não devem demorar-se. Essa ferida precisa ser tratada, Alain, e há ai um tipo mal ferido.
— Como quiseres. Ver-nos-emos esta tarde em Wagon Mounds, não?... — perguntou Pyt.
— Com certeza. Mas agora façam o favor de me trazer o cavalo de um desses tipos que eu desmontei, porque não gostaria de voltar a pé.
— É para já.
Os dois rapazes montaram e Pyt não tardou a reaparecer, trazendo os cavalos dos dois bandidos abatidos. Roy escolheu um tordilho de boa estampa, trocando pela sua a sela que ele trazia. Minutos depois despedia-se dos seus novos amigos e voltava pelo caminho do rancho de Marvin.
Não ia muito contrariado pela maneira como se haviam desenrolado os acontecimentos. Escapara ileso de uma situação difícil e, embora tivesse perdido o alazão, levava um cavalo quase tão bom como ele e tinha a certeza de que Enders enviaria o outro cavalo e as selas, de modo que o balanço final seria favorável por larga margem.
Mergulhado nas suas reflexões alcançou o vale do Canadian River, e quase imediatamente avistou os dois cavaleiros que seguiam a todo o galope ao longo da margem.
Os cavalos eram ótimos e quem os montava tirava deles o máximo partido, no que parecia ser uma renhida competição. Roy deteve o tordilho e observou os cavaleiros.
Estavam a cerca de meia milha de distância, e com a velocidade que traziam, não tardariam a passar diante dele. Mal fixara a sua atenção, Roy fez duas descobertas sensacionais. O animal que corria na frente era sem sombra de dúvida, a égua meio domada, e quem a montava não podia ser outra pessoa senão Arabella Marvin.
O vaqueiro soltou uma praga. Era loucura fazer galopar daquela maneira um animal ainda meio sei» vagem.
Todavia, Roy não teve muito tempo para refletir sobre a temerária inconsciência de algumas mulheres, porque reparou então no outro cavalo, que vinha uns trinta metros atrás e que não só mantinha a distância mas ia ganhando terreno pouco a pouco, apesar da endiabrada velocidade da égua. Apenas o tinha visto uma vez, mas era inconfundível. Não podia haver outro zaino como aquele, naquelas terras. Era, sem dúvida possível, o mesmo que ele vira, constantemente contido pelo seu cavaleiro, no mesmo dia em que havia conhecido os Marvin. Era o cavalo de um dos bandidos que fugiam, perseguidos pelos vaqueiros do «Shoe».
Sem perder tempo em mais averiguações, Donovan lançou o tordilho a galope, para intercepta o caminho dos que se aproximavam.
Meio minuto depois estava quase ao lado de Arabella, que lhe gritava qualquer coisa ininteligível.
— Corra, não seja doido !... — ouviu por fim, claramente. É Herbert Coe!
Roy já tinha começado a suspeitar disso, mas o facto não o perturbou em nada. Não conhecia o tal Coe, e decerto o nome dele não bastava para assustá-lo. Era preciso muito mais, para conseguir isso.
Compreendeu então que Arabella estava a esforçar-se para deter a égua, coisa que de nenhum modo lhe convinha.
— Siga... — gritou, fazendo avançar o tordilho junto dela.— Não páre !
Não era fácil dominar a égua ainda meio selvagem, e a jovem continuou a galopar sem todavia cessar os seus esforços. Roy fixou então a sua atenção no ganadeiro-bandido, que vinha muito perto e acabava de deter a montada.
Era um homem novo, que não devia ter mais de trinta anos, moreno, de grandes e ardentes olhos negros e magnificamente constituído.
— Olá!... — exclamou Coe, observando detidamente o homem que se atrevia a cortar-lhe o caminho.— Você deve ser esse forasteiro que anda por aí a fazer coisas.
— Acertou... — respondeu Roy, numa voz lenta onde havia um som frio e metálico.— E você é esse ganadeiro que é ao mesmo tempo pistoleiro e ladrão de gado.
Coe riu-se tranquilamente, sem parecer incomodado com a descrição pouco amável de que era objeto.
— Dois dos meus homens estão desejosos de voltar a cumprimentá-lo... — disse.
Arabella chegou junto deles antes que Donovan pudesse responder, e parou a égua, que se agitava.
— Vá-se embora e deixe-nos em paz, CoeI... — gritou ela, excitada. -- Já basta que...
Não pôde continuar, porque a égua encabritou-se e quase se lançou sobre o tordilho que Roy montava.
— Por favor, «miss» Marvin... — exclamou Roy, dominando o cavalo que também começava a mostrar-se inquieto. — Siga para o rancho. A sua presença aqui não é precisamente uma ajuda.
Tinha-se distraído por um momento, e tanto bastou para que se visse em frente de um revólver que lhe apontava diretamente à cabeça.
Com um sorriso tranquilo, Coe fez avançar o zaino.
— Solte o cinturão e deixe-o cair... — ordenou.
Surpreendido de maneira tão estúpida, Roy não teve outro remédio senão obedecer.
— Agora a espingarda!... — continuou o outro.
— Qual é a ideia?
— Não se preocupe com isso, agora.
Roy puxou a coronha da arma até fazê-la sair do coldre, e depois deixou-a cair no chão.
Coe tinha-se aproximado mais e fitava o texano, com uma expressão de troça.
— Teria gostado de ver se você é tão bom com os punhos como afirma Nick, mas veremos isso noutra ocasião. Agora prefiro ocupar-me de «miss» Marvin. Vamos, Arabella, anda cá. É muito boa, essa tua égua, e já estou cansado de correr atrás de ti. De maneira que, se tentares fugir outra vez, furo a pele deste rapaz. Não queres ter a morte dele a pesar-te na consciência, pois não?
— Que sabe você de consciência?
— Lembra-te de que estamos a falar da tua.
— O meu pai há-de matá-lo por isto... — murmurou Arabella, com os dentes cerrados.
— Cada coisa a seu tempo... — respondeu Coe, sorrindo, sem que a ameaça parecesse incomodá-lo. Vamos, aproxima-te!
A jovem obedeceu, mas de súbito fustigou a égua que saltou para a frente como um gamo, lançando-se sobre o zaino.
O ataque foi extraordinariamente rápido, mas Coe era, muito hábil ou esperava qualquer coisa no género, porque no mesmo instante fez afastar-se o zaino, com a graça fácil de um passo de dança, evitando o choque ao mesmo tempo que soltava uma gargalhada.
O movimento, porém, tinha-o colocado quase ao lado de Roy, e este, sem pensar duas vezes, atirou-se sobre ele, de cabeça.
Coe viu o movimento e voltou-se vivamente, brandindo o revólver que empunhava ainda, mas Donovan estava já em cima dele e empurrava-o com o seu peso e a força do impulso que tomara.
O empurrão fizera com que Herbert perdesse o equilíbrio, e com o braço esquerdo aprisionado pelo corpo do seu adversário, sentindo que caia, largou o revólver para se agarrar instintivamente ao arção da sela.
O zaino agitou-se, deslocando-se de lado, e os dois homens, numa posição insustentável, descaiam para o chão, sem que nada pudessem fazer para o evitar.
Entretanto Arabella lutava para dominar a égua, novamente encabritada. A grande estatura do cavalo e o facto de caírem de cabeça, fez com que os dois homens se esquecessem de tudo o que não fosse amortecer a queda, e rolaram pela relva, desfeito o abraço que os unia.
Ergueram-se no mesmo instante, olhando-se, na expectativa.
— Parece que, no fim de contas, sempre tenho que ver do que és capaz com os punhos... — grunhiu Herbert.
— Não há dúvida de que vai ter ocasião para isso... — assentiu Roy, avançando lentamente para ele.
Ao aproximar-se do seu inimigo, Donovan pareceu diminuir, por efeitos da comparação. Embora tivesse cerca de um metro e oitenta de altura e os ombros bastante largos, Coe era ainda mais alto e mais largo do que ele, embora tão bem proporcionado que isso mal se notava, não estando bastante perto para estabelecer as diferenças.
Não estavam separados por mais do que um par de metros, quando o ganadeiro se pôs em guarda adiantando o pé e o braço esquerdo.
Arabella não pensou, nem por um instante, em escapar. Em vez disso desmontou e, levando a égua até onde Roy deixara cair a espingarda e os revólveres, apanhou o cinturão com os «Colt» e voltou a montar, atravessando-o sobre a sela e empunhando uma das armas, para intervir em caso de necessidade.
Coe notou a manobra e franziu o sobrolho, mas nada podia fazer para evitá-la. A primeira tarefa a levar a cabo era desfazer-se daquele endiabrado vaqueiro que o surpreendera e lhe parecia um mau inimigo, porque adotava a sua mesma guarda, protegendo o peito e o estômago com o braço direito. Era evidente que conhecia as regras do pugilismo, o que era estranho e pouco tranquilizador.
Resolvido a acabar rapidamente, lançou-se sobre o vaqueiro, que o esquivou com um brusco salto de lado, e seguindo-o disparou o punho esquerdo, mas encontrou apenas o ar.
Furioso, perseguiu Donovan, que esquivava sem cessar. Herbert lançou um golpe da esquerda, que roçou a orelha de Roy, e mal teve tempo para se furtar à fulminante resposta, que lhe acertou de raspão num olho, produzindo uma forte escoriação.
Cheio de raiva, com a evidente intenção de acabar com a luta logo de princípio, Coe atacou de novo e atirou os dois punhos contra o estômago de Roy. Houve um ruido surdo, mas era apenas o choque dos punhos no antebraço do vaqueiro, que parara o golpe.
Roy esquivou-se de novo, sem que um só golpe do seu adversário lhe tocasse o corpo.
— Maldito bailarino!... — rosnou Herbert Coe, desesperado. — Para de uma vez, e combate como um homem!
— Fá-lo-ia... — respondeu Roy, sorrindo tranquilamente — ...se tu fosses um homem. Mas não és mais do que uma pele cheia de vento. E uma pele de coiote, ainda por cima.
Coe fez-se vermelho e, cego de cólera, baixou a cabeça, lançando-se ao ataque mais uma vez.
Arabella esquecera-se de que tinha um revólver na mão, empolgada por aquela luta como nunca vira outra. O pugilismo era quase completamente desconhecido no sudoeste, por aquela época. De súbito a jovem levou a mão à garganta, sufocando um grito.
Desta vez Roy não cedeu terreno. Firmou-se nos pés e, quando o adversário chegou ao seu alcance, disparou pela primeira, vez o seu punho direito, alcançando-o na maçã de Adão. O golpe teve um som surdo, como o que faria um pássaro morto ao cair sobre uma tábua. Os dois braços de Coe penderam e o seu corpo tombou pesadamente.
Donovan recuou, para evitar alguma traição, e esperou.
— Mas... que faz? Acabe com ele agora! Não deixe levantar-se!... — bradou a voz excitada da rapariga.
Roy continuou a observar o adversário, sem se descuidar.
— «Miss» Marvin não gosta da violência, lembre-se disso... — disse ele, num tom de leve ironia. — Trate de convencer esse homem a ser bom rapazinho e a ir para casa em paz.
A égua, como sentindo a excitação da rapariga, agitava-se, inquieta.
— Oh! Não seja estúpido!... — gritou Arabella, desorientada. — Ninguém foi capaz de vencer esse homem e se você não aproveita a sorte que teve ao derrubá-lo não poderá esquivar-se por muito tempo mais. E nessa altura Coe esmaga-o, parte-lhe os ossos!
Roy não respondeu. Para quê? Que ela continuasse a pensar que aquele soco tinha sido dado por acaso era uma coisa que ele não podia impedir falando, Herbert Coe estava já a levantar-se. Observou-o com atenção.
O suor empapava a camisa do homem, e o tecido, pegado à carne, deixava ver uma espécie de almofada de gordura, por cima do cinto, movendo-se agitadamente. Coe era sem dúvida muito forte, mas não estava em perfeita forma e havia evidente fraqueza nos músculos que deviam proteger-lhe o estômago.
O bandido levantou-se devagar, vigiando o seu in migo, sem compreender como era que ele não tinha, aproveitado aquele breve fora-de-combate para o liquidar definitivamente. Começava a temer que houvesse naquilo alguma astúcia.
Em pé, tossiu para aclarar a garganta dorida, e de súbito lançou-se num brusco e enfurecido ataque, convencido de que só um golpe de sorte permitiria que Roy o derrubasse.
Atirou-se contra Roy, brandindo os punhos com tremendo ímpeto, mas ele esquivou-os ou opôs-lhes a sua guarda cerrada.
Passado um minuto Coe deteve-se, arquejante, encharcado em suor e com a cara vermelha pela ira e pelo esforço.
— Para de uma vez, maldito bailarino!... — rosnou.
A sua voz parecia estrangulada, entrecortada pelo ofegar violento. Donovan, de súbito, simulou uma hesitação, como se não soubesse que decisão tomar.
Coe saltou, aproveitando o aparente desconcerto do adversário, e com um grito rouco ergueu o punho e descarregou-o como um martelo na direção da cabeça de Donovan. E então este, longe de se afastar, disparou um direto ao estômago do bandido.
Soltando uma espécie de rugido abafado, Herbert dobrou-se ao meio, e a sua mão, perdida a força, foi cair sobre o ombro de Donovan. Um soco da esquerda acertou-lhe outra vez na garganta, e logo, de novo, a direita de Donovan lhe martelou o estômago.
Coe agarrou-se desesperadamente ao vaqueiro e ambos rolaram pelo chão, mas Donovan libertou-se quase imediatamente e, levantando-se de um salto, afastou--se, pouco disposto a deixar-se apanhar num corpo-a-corpo onde a considerável diferença de peso seria favorável ao bandido.
Herbert levantou-se também lenta e dificilmente
— Hei-de matar-te por isto... — rouquejou, com um esforço tremendo.
— Estás pronto!... — replicou, tranquilamente Roy —E agora vou dar-te uma lição que há-de ficar-te na memória.
E deu-lha. Deliberadamente, conscienciosamente martelou-o com golpes precisos, dolorosos e espetaculares, mas não decisivos. Até que, cansado e enjoado, pôs fim à luta com um soco da esquerda, ao estômago, e outro da direita, à garganta.
Coe abateu-se pesadamente, como um tronco decepado.
Enxugando o suor com a manga da camisa e sacudindo a cabeça para tirar da testa os cabelos ei desalinho, ofegante, com um olho quase fechado e uma larga escoriação no maxilar do mesmo lado, Roy voltou-se para a rapariga que, muito pálida, o olhava, com os olhos muito abertos, parecendo prestes a saltar-lhe das órbitas.
E nesse momento, com profunda vergonha, a jovem compreendeu que os seus instintos eram, naquele momento, puramente primitivos. Tinha recuado milhares de anos no tempo, tornando ao estado da fêmea que, olha ansiosa e fascinada para o macho triunfante, que lutou por ela e a conquistou em feroz combate.
Uma onda de sangue lhe subiu à cara. Baixou os olhos, sentindo que desejava que a terra a engolisse.
Por sorte para ela, Roy não tinha a vista muito clara naquele momento, porque uma gota de suor entrara no seu olho são, enchendo-lho de lágrimas.
O vaqueiro apanhou o chapéu e a espingarda, aproximando-se depois da égua para recolher o cinturão.
— Quer devolver-mo?... — disse ele, estendendo a mão para o revólver que ela ainda empunhava.
— Oh !... — exclamou ela. E, incapaz de acrescentar qualquer outra palavra, entregou-lhe a arma que ele deixou cair no coldre, encaminhando-se depois para o tordilho que se afastara um tanto.
Tendo afivelado o cinturão, Roy repôs a espingarda no coldre da sela, colocou o chapéu sobre a coronha da espingarda e, apanhando o cantil, bebeu um longo trago de água e entornou o resto por cima da sua cabeça. Então, montou, cansado.
— Creio, «miss» Marvin... — disse — ... que são horas de voltar para casa.

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