PAS686. Um corpo no rio

Netty Corbyn escorreu vigorosamente a camisa de seu irmão, que acabava de lavar na água quase transparente lo rio Brazos, e atirou-a sobre a pedra que havia por detrás dela, para junto das outras peças de vestuário que linha lavado naquela manhã.
Aproveitou o momento para dirigir um olhar ao animoso Guy que estava tentando consertar, no solo, a roda do carro mato.
— Entre os dois será mais fácil — murmurou Netty.
Enxugou as mãos, tirando o sabão. Depois, ergueu-se, disposta a ajudar o seu irmão a acabar de consertar roda.
E então, ao olhar rio acima, viu-o.
Um homem? Que outra coisa poderia ser?
Voltou-se.
— Guy!
O rapaz de dezasseis anos, magro e musculoso, que suava abundantemente agarrado ao carro, levantou a cabeça. — Que se passa?
— O rio traz um homem morto... Parece morto, pelo menos.
Guy alegrou-se por ter um pretexto de peso para abandonar, mesmo que fosse por momentos, a reparação da maldita roda. Dirigiu-se para o local onde sua irmã se encontrava, e olhou na direção que esta lhe indicava.
— É um homem... E parece morto, de facto... Vamos tirá-lo do rio, Netty.
Descalçaram-se os dois e avançaram pelo rio adentro até ao meio, procurando a parte mais acessível, de forma a poderem assentar com força os pés no leito do rio.
Chegaram ao ponto convenientemente pouco tempo antes da passagem do corpo do homem. Guy agarrou-o por um braço, detendo a sua marcha.
— Segura-lhe o outro braço, Netty.
A rapariga estava um pouco pálida, mas obedeceu à indicação de seu irmão. Depois, entre os dois, e aproveitando a diminuição de peso do corpo, devido ao facto de este estar submerso na água, foram-no arrastando para a margem.
Para o tirarem completamente do rio tiveram mais dificuldades. Detiveram-se logo que o corpo do homem roçou com o peito pelo fundo.
— Tem um balázio nas costas — cochichou Guy. Certamente que o mataram à traição... Puxa com mais força, Netty.
Agora, tinham-no segurado cada um por um sovaco. Não sem esforço, conseguiram, por fim, deixá-lo num lugar seco, estendido, no entanto, de cara para baixo.
Guy assoprou com força.
— Diabos, como pesa...! Vamos ver-lhe a cara, Netty.
— Creio... creio que prefiro não... não ver nada, Guy. Não seria melhor avisarmos...?
— A quem? — grunhiu o seu irmão. — A povoação mais próxima está a cinquenta milhas, e o carro está estragado. Não vamos levar este cadáver carregado às costas. Se estiver morto, enterramo-lo e em paz.
Voltou-o, deixando-o com a cara para cima.
Netty Corbyn levou a mão ao coração, num sobressalto.
— Oh! É...!
— O que é?
— Nada... Nada...
Guy encolheu os ombros. Diziam que ele, com os seus dezasseis anos, não era ainda um homem, e parecia que o peso de responsabilidade devia recair sobre Netty. Mas, com dezoito anos, Netty tão-pouco estava muito capacitada para fazer frente a qualquer situação.
O que Guy não sabia era o final da exclamação que sua irmã havia estado a ponto de soltar. Netty Corbyn guardou para si a opinião de que aquele homem era muito belo.
Tão atraente, que o coração da rapariga ainda não havia recuperado, o seu ritmo normal quando Guy informou:
— Ainda está vivo! Não lhe mexas, Netty, que eu volto já.
— Mexer-lhe?
Netty ajoelhou-se ao lado do homem. Lentamente, contemplou os seus cabelos loiros colados à fronte; nesta, um longo ferimento no lado direito apenas deitava sangue pelo sítio onde fora arrancado um bocado da pele; o rio havia limpo conscienciosamente aquela ferida.
O homem estava palidíssimo, mas tal estado realçava--lhe a linha firme do queixo, os lábios varonis apertados e os traços enérgicos do pescoço e da cabeça. Trazia um lenço preto atado ao pescoço. Netty percorreu-o completamente com a vista: jaqueta cor de terra, camisa escura, calças azuis, botas baixas... e um revólver no coldre, cujo extremo estava fixo à coxa pelo cordão de coiro entrançado.
Netty recordou-se subitamente que pouco antes lhe parecera ter ouvido uns disparos, um tanto espaçados, mas que na altura os atribuirá a uma ilusão dos sentidos e acabara por esquecer o facto quase a seguir.
Agora verificava que os disparos haviam sido efetuados. Aquele homem tinha sido ferido muito próximo dali...
Guy regressou com dois paus compridos e um grande rolo de corda.
— Vamos levá-lo para o carro-mato, Netty. Com estes paus e esta corda, faremos uma maca, para o transportamos melhor entre os dois... Embora eu creia que... Bom, se não lhe extrairmos a bala...
— Morrerá?
— Claro. E, seguramente, morrerá de qualquer forma. Eu... eu não sei se devo tentar extrair-lhe a bala, Netty,
— O pai ensinou-te muitas dessas coisas, Guy.
— Muitas destas coisas? Netty: o pai era um «rancheiro», não um médico. Ele ensinou-me algumas coisitas, mas nunca tive ocasião de ver um ferimento como o deste homem. Se em vez da bala ter entrado pelo direito, tivesse entrado pelo lado esquerdo, havê-lo-ia matado, ao acertar no coração... — e o rapaz começou a suar de angústia. — Meu Deus, não sei o que fazer...!
Netty desejaria abraçar-se àquele homem loiro de feições enérgicas, e tê-lo-ia feito se soubesse que isso serviria para lhe salvar a vida... Mas seria só para lhe salvar a vida? Sentia... uma coisa... estranha... Estranha?
— Se não lhe extraíres a bala... morrerá?
— Sim.
— E há alguma possibilidade de que viva se lhe extraíres a bala?
— Só Deus o sabe, Netty.
— Vamos extrair-lha.
— Tu também? Julguei que estas coisas...
— Demonstrar-te-ei que sei fazer frente às circunstâncias.
O rapaz sorriu. Reparou que sua irmã fitava o ferido com uma estranha intensidade. Encolheu os ombros.
— De acordo: Vamos salvá-lo... ou matá-lo de uma vez.
A rapariga empalideceu.
— Não digas isso, Guy!
— Bom, está bem. Primeiro que tudo temos de aquecer água, ferver alguns panos, desinfetar a faca mais pontiaguda... Não poderei, Netty!
Netty contemplou o homem de cabelos loiros. Depois, olhou para o seu irmão, que limpava o suor do rosto com a mão. Por fim, voltou a fitar o homem dos cabelos loiros.
— Poderás, Guy.

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