PAS713. Patriotismo de salteador
Dois dias depois do frustrado atentado contra Morélia, a fazenda dos Benitez era arrasada pelos saqueadores. Os cadáveres dos seus habitantes foram enviados para Santo António, e a sua chegada provocou a indignação geral. Formaram-se imediatamente grupos de voluntários que se lançaram numa batida pela comarca. Mas os assaltantes não deixavam vestígios da sua passagem, e não havia, pelo contrário, gente suficiente para proteger todas as fazendas e ranchos.
Sara Carlisle estava na rua quando chegaram as novas vítimas. Pôs-se muito pálida, tentando retroceder. Ao fazê-lo, deu de caras com alguém que estava atrás dela. Era Edison Ware, o lojista.
— Menina Carlisle, preciso de lhe falar.
— E eu não tenho o menor interesse em fazê-lo, senhor Ware. Faça o favor de se afastar.
— Dissimule e não se volte — disse ele, sujeitando-a por um braço. Quero dizer-lhe que você tinha razão. É preciso acabar com Terry Charles.
— O senhor avisou-o contra mim e recomendou-lhe que matasse Morélia.
— Sim, julguei que fosse esse o meu dever. Não se vá embora. Continue a olhar para a rua. Não convém que nos vejam a falar. Ouça: acabo de receber resposta de Houston à mensagem que você lhe enviou.
— Meus Deus! Diga-me que respondeu ele.
— Que detenhamos Charles, e que ele dissolva o seu grupo. Já lhe mandei recado. Esta noite virá visitar-me, pelo que esta foi a sua última carnificina.
— Obrigada, senhor Ware. Muito obrigada. Olhe para essa pobre gente e observe qual é a reação de todos. Não estão nada aterrorizados. São demasiado orgulhosos para isso. Começo agora a conhecê-los...
— Talvez por intermédio de Manuel Morélia, não? Alguém o avisou de que iriam atacá-lo. Cuidado, menina Carlisle. Embora sem estar ao lado de Charles, você tem de considerar-se sua inimiga.
— Eu sei. Engana-se a respeito de Morélia. Não me interessa esse fantoche, que se julga irresistível.
— Ainda bem. Não saia de Santo António. Houston enviará novas instruções para si.
Edison Ware retrocedeu, misturando-se entre a multidão. Atravessou a rua e dirigiu-se à sua loja de tecidos. Durante toda a tarde esteve muito ocupado e quase esqueceu o resto. Quando o armazém fechou, mandou embora os empregados e subiu à sua residência, onde vivia sozinho.
— Terry Charles não deixará de vir. Satisfaz-me acabar com esse bandido disfarçado de patriota.
Tinha deixado aberta a porta de casa. Mas, de qualquer modo, surpreendeu-o a aparição de Terry Charles junto da poltrona em que se sentava.
— Terry! Entrou sem fazer o menor ruído. Quase me assustou!
Terry riu-se, sentando-se noutra poltrona.
— Silencioso como os animais noturnos. Qualidade Indispensável para ser um bom saqueador. Que lhe pareceu o trabalho de ontem à noite? Sei que os trouxeram para aqui. Chegaram apenas a tempo de recolher os cadáveres. Mas os resultados não foram tão bons como da vez anterior.
— Você causa-me asco — disse Ware.
— Sim? Não será por não ter participação nos despojos, senhor Ware?
— É asco instintivo. Não poderia evitá-lo, mesmo que quisesse, e não quero. Lamento-o ou, melhor dizendo, alegro-me muito. O seu negócio acabou. Ordens de Sam. Houston. Você evitou que Sara Carlisle fugisse, mas, pelos vistos, não evitou que a sua carta chegasse a Houston. Ordens de cessar com os assaltos. Houston reconhece que o enganaram ao julgar a gente de Santo António. Não pretendia aniquilá-los, mas sim assustá-los. Agora sabe que isso não é possível e suspende os ataques. Terá de dispersar a sua gente.
Terry Charles tinha-se posto em pé. Os seus lábios estavam roxos e o seu rosto muito pálido.
— Isso não pode ser verdadeiro! Quero ver essa ordem!
Ware sorrindo, estendeu-lha. Charles leu-a rapidamente, tremendo-lhe as mãos.
-- Como vê, é verdade. Mande embora os seus bandidos, pois não haverá mais assassínios.
-- Nem mais dinheiro — murmurou Charles.
— Isso é o que você mais lastima. Você pensava unicamente no que iria obter com esses sangrentos assaltos, não é isso?
Terry Charles voltou a sentar-se. Tinha ainda a carta na mão e parecia já tranquilo.
— Não é assim tão simples, senhor Ware. Prometemos a esses homens substanciais compensações, e para isso temo-los entretido muito tempo.
— Isso foi ideia sua. Você pretendeu que não se lhes pagasse, a não ser com o que encontrassem nas fazendas, a fim de serem mais «eficazes». Mas era em si mesmo que você pensava. Você era quem sonhava com a riqueza dos mexicanos! Mas acabou-se. E Houston saberá o género de patriota que você é.
— Lamento muito, Ware. Você é um pobre lunático. Eu nunca fui um patriota, como diz. Acho graça até aos indivíduos como você. Chamam ser patriotas a conseguir que os governe um seu amigo, a fim de obterem melhorias e benefícios que não têm agora. Pois é o mesmo que eu penso. Em mim e nos benefícios que possa obter. E o dinheiro dos fazendeiros tornar-me-á rico, pois ficarei com quase todo! De modo que continuaremos a cair sobre as fazendas como um castigo do inferno, enchendo sacos de ouro e joias.
— Houston não o consente!
— Refere-se a esta carta? — Terry Charles rasgou-a lentamente em pequenos pedaços, ante o olhar espantado de Ware. — Já não existe. Não chegou a Santo António. Talvez fossem agentes do governador que a interceptas-sem. De qualquer modo, a verdade é que não chegou.
Deixou cair os papéis no solo. Ware seguiu-os com o olhar.
— Mas eu sei que chegou! Vou...
Inclinou-se para recolher os fragmentos do documento. Charles inclinou-se também, aproximando-se dele.
— Tem razão. Você sabe-o, com efeito. E essa é a sua desgraça.
Edison Ware ergueu a cabeça, olhando espantado para Charles. Quando viu a faca que este empunhava, procurou gritar e afastar-se. A mão de Terry Charles subiu velozmente, e a faca, com um ruído seco, mergulhou no peito do comerciante.
«Sim, é uma boa ideia não deixar estes papelinhos aqui. Alguém poderia reconstituir a carta.»
Apanhou-os sem olhar para Edison Ware, que, caído aos pés da sua poltrona, estremecia cada vez mais suavemente. Quando Terry Charles acabou de recolher os pequenos fragmentos, já Edison, Ware deixara de mover-se' e o seu sangue se estendia pelo tapete.
Sara Carlisle estava na rua quando chegaram as novas vítimas. Pôs-se muito pálida, tentando retroceder. Ao fazê-lo, deu de caras com alguém que estava atrás dela. Era Edison Ware, o lojista.
— Menina Carlisle, preciso de lhe falar.
— E eu não tenho o menor interesse em fazê-lo, senhor Ware. Faça o favor de se afastar.
— Dissimule e não se volte — disse ele, sujeitando-a por um braço. Quero dizer-lhe que você tinha razão. É preciso acabar com Terry Charles.
— O senhor avisou-o contra mim e recomendou-lhe que matasse Morélia.
— Sim, julguei que fosse esse o meu dever. Não se vá embora. Continue a olhar para a rua. Não convém que nos vejam a falar. Ouça: acabo de receber resposta de Houston à mensagem que você lhe enviou.
— Meus Deus! Diga-me que respondeu ele.
— Que detenhamos Charles, e que ele dissolva o seu grupo. Já lhe mandei recado. Esta noite virá visitar-me, pelo que esta foi a sua última carnificina.
— Obrigada, senhor Ware. Muito obrigada. Olhe para essa pobre gente e observe qual é a reação de todos. Não estão nada aterrorizados. São demasiado orgulhosos para isso. Começo agora a conhecê-los...
— Talvez por intermédio de Manuel Morélia, não? Alguém o avisou de que iriam atacá-lo. Cuidado, menina Carlisle. Embora sem estar ao lado de Charles, você tem de considerar-se sua inimiga.
— Eu sei. Engana-se a respeito de Morélia. Não me interessa esse fantoche, que se julga irresistível.
— Ainda bem. Não saia de Santo António. Houston enviará novas instruções para si.
Edison Ware retrocedeu, misturando-se entre a multidão. Atravessou a rua e dirigiu-se à sua loja de tecidos. Durante toda a tarde esteve muito ocupado e quase esqueceu o resto. Quando o armazém fechou, mandou embora os empregados e subiu à sua residência, onde vivia sozinho.
— Terry Charles não deixará de vir. Satisfaz-me acabar com esse bandido disfarçado de patriota.
Tinha deixado aberta a porta de casa. Mas, de qualquer modo, surpreendeu-o a aparição de Terry Charles junto da poltrona em que se sentava.
— Terry! Entrou sem fazer o menor ruído. Quase me assustou!
Terry riu-se, sentando-se noutra poltrona.
— Silencioso como os animais noturnos. Qualidade Indispensável para ser um bom saqueador. Que lhe pareceu o trabalho de ontem à noite? Sei que os trouxeram para aqui. Chegaram apenas a tempo de recolher os cadáveres. Mas os resultados não foram tão bons como da vez anterior.
— Você causa-me asco — disse Ware.
— Sim? Não será por não ter participação nos despojos, senhor Ware?
— É asco instintivo. Não poderia evitá-lo, mesmo que quisesse, e não quero. Lamento-o ou, melhor dizendo, alegro-me muito. O seu negócio acabou. Ordens de Sam. Houston. Você evitou que Sara Carlisle fugisse, mas, pelos vistos, não evitou que a sua carta chegasse a Houston. Ordens de cessar com os assaltos. Houston reconhece que o enganaram ao julgar a gente de Santo António. Não pretendia aniquilá-los, mas sim assustá-los. Agora sabe que isso não é possível e suspende os ataques. Terá de dispersar a sua gente.
Terry Charles tinha-se posto em pé. Os seus lábios estavam roxos e o seu rosto muito pálido.
— Isso não pode ser verdadeiro! Quero ver essa ordem!
Ware sorrindo, estendeu-lha. Charles leu-a rapidamente, tremendo-lhe as mãos.
-- Como vê, é verdade. Mande embora os seus bandidos, pois não haverá mais assassínios.
-- Nem mais dinheiro — murmurou Charles.
— Isso é o que você mais lastima. Você pensava unicamente no que iria obter com esses sangrentos assaltos, não é isso?
Terry Charles voltou a sentar-se. Tinha ainda a carta na mão e parecia já tranquilo.
— Não é assim tão simples, senhor Ware. Prometemos a esses homens substanciais compensações, e para isso temo-los entretido muito tempo.
— Isso foi ideia sua. Você pretendeu que não se lhes pagasse, a não ser com o que encontrassem nas fazendas, a fim de serem mais «eficazes». Mas era em si mesmo que você pensava. Você era quem sonhava com a riqueza dos mexicanos! Mas acabou-se. E Houston saberá o género de patriota que você é.
— Lamento muito, Ware. Você é um pobre lunático. Eu nunca fui um patriota, como diz. Acho graça até aos indivíduos como você. Chamam ser patriotas a conseguir que os governe um seu amigo, a fim de obterem melhorias e benefícios que não têm agora. Pois é o mesmo que eu penso. Em mim e nos benefícios que possa obter. E o dinheiro dos fazendeiros tornar-me-á rico, pois ficarei com quase todo! De modo que continuaremos a cair sobre as fazendas como um castigo do inferno, enchendo sacos de ouro e joias.
— Houston não o consente!
— Refere-se a esta carta? — Terry Charles rasgou-a lentamente em pequenos pedaços, ante o olhar espantado de Ware. — Já não existe. Não chegou a Santo António. Talvez fossem agentes do governador que a interceptas-sem. De qualquer modo, a verdade é que não chegou.
Deixou cair os papéis no solo. Ware seguiu-os com o olhar.
— Mas eu sei que chegou! Vou...
Inclinou-se para recolher os fragmentos do documento. Charles inclinou-se também, aproximando-se dele.
— Tem razão. Você sabe-o, com efeito. E essa é a sua desgraça.
Edison Ware ergueu a cabeça, olhando espantado para Charles. Quando viu a faca que este empunhava, procurou gritar e afastar-se. A mão de Terry Charles subiu velozmente, e a faca, com um ruído seco, mergulhou no peito do comerciante.
«Sim, é uma boa ideia não deixar estes papelinhos aqui. Alguém poderia reconstituir a carta.»
Apanhou-os sem olhar para Edison Ware, que, caído aos pés da sua poltrona, estremecia cada vez mais suavemente. Quando Terry Charles acabou de recolher os pequenos fragmentos, já Edison, Ware deixara de mover-se' e o seu sangue se estendia pelo tapete.
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