BIS130. Cap VII. Eden
Eden era um desses lugares perdidos na vastidão esmagadora do Texas. Formavam-na setenta e oito casas, um estábulo, um armazém, duas tabernas e a loja do todo-poderoso «mister» Wooden, macabra notabilidade da povoação. Ficava-se por aqui. Nada mais havia a acrescentar.
Não tinha xerife, não tinha novidades, quase não tinha história. Fundara-a uma caravana de imigrantes, pobres visionários que viajavam para a Califórnia em busca de um rico éden ubérrimo de terras e promessas. Algo lhes sucedeu capaz de interromper a viagem; mas passara-se havia tanto tempo que nem os mais velhos do lugar se lembravam ao certo.
Uns diziam que tinha sido a pouca sorte; outros, a peste... A verdade, o irrefutável é que Eden nascera a oitenta milhas do mais próximo local habitado: o agora em ruínas Old Fort Concho.
Talvez fosse a peste, porque como empestados viveram os seus improvisados fundadores. Ergueram as casas, formaram a primeira rua e trataram de converter aquele infame terreno em algo digno de esforço. Conseguiram-no vinte cinco anos depois, graças à tenacidade e ao esforço coletivo ali desbaratado.
Agora, ainda que Eden continuasse a ser uma aldeia perdida atrás da meseta do deserto, os habitantes podiam orgulhar-se de duas coisas: o gado gozava de certa fama e a «Tex Coach Line» estabelecera na rua principal urna posta ou estação de trajeto, na qual quinzenalmente se mudavam os tiros (1) da diligência que efetuava o percurso de Sweetwaler, em Nolan County, até Bandera, no condado do mesmo nome.
Os vetustos carroções vermelhos da «Tex Coach Line» contribuíram, sem o pretenderem, para que o nome de Eden fosse conhecido por alguns centros de texanos. Não muitos, claro, visto que o conhecimento era restrito aos usuários da linha. Mas, pelo menos, a peregrina ideia daquela caravana fundadora que assentara a primeira pedra — na realidade o primeiro madeiro — não caiu em saco roto.
Eden, com as suas reses e com a estação, adquiriu carta de cidadania e ganhou direito ao seu microscópico pontinho geográfico no gigantesco mapa do Texas, o maior estado territorial da União.
Era uma aldeia pacífica, de gente simples e trabalhadora, onde todos se conheciam pelo nome de batismo.
Sete ou oito completavam as personalidades da povoação: o médico, o armazenista Strafford, os irmãos Conted, donos dos estábulos... e também, evidentemente, «mister» Wooden.
Este era considerada a personagem principalíssima de
(1) Conjunto de animais que puxam os veículos. (N. do T.).
Eden. Tinha dinheiro. Costumava emprestar... e cobrava juros exorbitantes pelo favor. Também abria créditos.
Por isso, ainda que não passasse de um usurário, consideravam-no quase como um banqueiro no seu estádio mais primitivo e defeituoso. Mas necessário.
Peter Brown desmontou da égua. À sua frente, destacando-se pela brancura, estava a fachada do estabelecimento e o seu inconfundível emblema: cinco bolas amarelas (1). «Mister» Wooden — podia-se vê-lo através do vidro da montra — estava lá dentro com a atenção concentrada num dos seus ímpios livros de escrita.
Atou a égua à barra. Subiu para o alpendre. Na montra, heteroclitamente misturado, exibia-se um oceano de díspares artigos. óculos, colares, relógios de sala, corno-cópias de jade bafiento... Restos malbaratados de fortunas alheias. Recordações que a gana de Wooden filara por matuta e meia. Peter respirou fundo antes de entrar. Depois, de cabeça erguida, franqueou o umbral.
A campainha, suspensa sobre a porta repicou. Wooden ergueu a cabeça e o olhar agudo dos seus olhos perscrutou-o através dos vidros das lunetas, desnudando-o.
— Bons-dias, «mister» Wooden.
— Bons-dias, Peter. Vens comprar... ou vender?
— Vender.
— Ah! — afirmou sentenciosamente como quem assegura uma verdade já pressentida. — Vejamos então.
— Trata-se disto... Não me faz falta.
Colocou o coldre com a arma sobre o balcão. Wooden pousou a caneta no rebordo do tinteiro. Não estendeu a
Não tinha xerife, não tinha novidades, quase não tinha história. Fundara-a uma caravana de imigrantes, pobres visionários que viajavam para a Califórnia em busca de um rico éden ubérrimo de terras e promessas. Algo lhes sucedeu capaz de interromper a viagem; mas passara-se havia tanto tempo que nem os mais velhos do lugar se lembravam ao certo.
Uns diziam que tinha sido a pouca sorte; outros, a peste... A verdade, o irrefutável é que Eden nascera a oitenta milhas do mais próximo local habitado: o agora em ruínas Old Fort Concho.
Talvez fosse a peste, porque como empestados viveram os seus improvisados fundadores. Ergueram as casas, formaram a primeira rua e trataram de converter aquele infame terreno em algo digno de esforço. Conseguiram-no vinte cinco anos depois, graças à tenacidade e ao esforço coletivo ali desbaratado.
Agora, ainda que Eden continuasse a ser uma aldeia perdida atrás da meseta do deserto, os habitantes podiam orgulhar-se de duas coisas: o gado gozava de certa fama e a «Tex Coach Line» estabelecera na rua principal urna posta ou estação de trajeto, na qual quinzenalmente se mudavam os tiros (1) da diligência que efetuava o percurso de Sweetwaler, em Nolan County, até Bandera, no condado do mesmo nome.
Os vetustos carroções vermelhos da «Tex Coach Line» contribuíram, sem o pretenderem, para que o nome de Eden fosse conhecido por alguns centros de texanos. Não muitos, claro, visto que o conhecimento era restrito aos usuários da linha. Mas, pelo menos, a peregrina ideia daquela caravana fundadora que assentara a primeira pedra — na realidade o primeiro madeiro — não caiu em saco roto.
Eden, com as suas reses e com a estação, adquiriu carta de cidadania e ganhou direito ao seu microscópico pontinho geográfico no gigantesco mapa do Texas, o maior estado territorial da União.
Era uma aldeia pacífica, de gente simples e trabalhadora, onde todos se conheciam pelo nome de batismo.
Sete ou oito completavam as personalidades da povoação: o médico, o armazenista Strafford, os irmãos Conted, donos dos estábulos... e também, evidentemente, «mister» Wooden.
Este era considerada a personagem principalíssima de
(1) Conjunto de animais que puxam os veículos. (N. do T.).
Eden. Tinha dinheiro. Costumava emprestar... e cobrava juros exorbitantes pelo favor. Também abria créditos.
Por isso, ainda que não passasse de um usurário, consideravam-no quase como um banqueiro no seu estádio mais primitivo e defeituoso. Mas necessário.
Peter Brown desmontou da égua. À sua frente, destacando-se pela brancura, estava a fachada do estabelecimento e o seu inconfundível emblema: cinco bolas amarelas (1). «Mister» Wooden — podia-se vê-lo através do vidro da montra — estava lá dentro com a atenção concentrada num dos seus ímpios livros de escrita.
Atou a égua à barra. Subiu para o alpendre. Na montra, heteroclitamente misturado, exibia-se um oceano de díspares artigos. óculos, colares, relógios de sala, corno-cópias de jade bafiento... Restos malbaratados de fortunas alheias. Recordações que a gana de Wooden filara por matuta e meia. Peter respirou fundo antes de entrar. Depois, de cabeça erguida, franqueou o umbral.
A campainha, suspensa sobre a porta repicou. Wooden ergueu a cabeça e o olhar agudo dos seus olhos perscrutou-o através dos vidros das lunetas, desnudando-o.
— Bons-dias, «mister» Wooden.
— Bons-dias, Peter. Vens comprar... ou vender?
— Vender.
— Ah! — afirmou sentenciosamente como quem assegura uma verdade já pressentida. — Vejamos então.
— Trata-se disto... Não me faz falta.
Colocou o coldre com a arma sobre o balcão. Wooden pousou a caneta no rebordo do tinteiro. Não estendeu a
(1) Cinco bolas douradas é o distintivo das casas de penhores nos E. U.
mão. Olhando o pretenso vendedor por cima das brilhantes lentes, inquiriu com suavidade.
— É teu?
— Agora, é. Ofereceu-mo um cavaleiro que passou pelo rancho... há dias. Não tinha dinheiro, e pagou-me com isto a ajuda que eu e Maria lhe prestámos.
— Ah! — a voz melosa conservou o tom anterior. — Entendido.
— Examine-o por favor. Agradecia-lhe que desse o melhor preço.
Brown falava humildemente, como quem implora urna esmola. Intimidavam-no um pouco os olhos frios do prestamista, porque sabia que nada escapava à sua crua agudeza. Não havia dúvida que conseguia ler até os seus mais íntimos pensamentos. Wooden, pelo contrário, replicou com bastante secura imprópria dele:
— Sempre sou justo nas minhas transações. Ninguém pode dizer que eu o vigarizei alguma vez.
Pedro sentia-se constrangido.
Fazendo caso omisso do cinto, Wooden extraiu o revólver do coldre. Bom conhecedor da profissão, não se incomodou a evitar o brilho gasoso das pupilas. Magnífico revólver. Bem tratado, limpíssimo, sem uma mancha de óxido.
Aquele revólver era uma joia.
Acionou o cano imóvel e dedicou, depois, a sua atenção ao cilindro fixo. Expulsou as cápsulas com o extrator de estrela. Fez girar o tambor. Montou o percutor, premiu o gatilho e deleitou-se a escutar a música suave do cuidado e lubrificado mecanismo disparador.
Tudo isso sem pressas, desesperadoramente calmo, avaliando a joia mortífera que sustinha nas mãos.
— Bem, Pedro. Vejamos. Quanto pedes? — murmurou. Pedro disse:
— Não sei... Creio que o senhor é que deve oferecer, «mister» Wooden.
Este disse:
— Doze dólares pelo «Colt» e quatro pelo coldre e pelo cinto. É um bom preço.
Pedro estava satisfeito com a sua venda.
Dezasseis dólares representavam para Brown uma fortuna fabulosa. Maria fá-los-ia esticar e tiraria um substancioso sumo de cada cêntimo. Esteve tentado a prorromper em exclamações jubilosas. A emoção, porém, deixou-o mudo.
Wooden perguntou:
— Que dizes?
Pedro titubeou ao responder:
— Bem...
Wooden instou:
— Fala.
Pedro anuiu.
— Estou conforme!
Wooden disse, satisfeito:
— Acabas de realizar um bom negócio. Espera um momento enquanto passo o recibo.
Peter aguardou. Dezasseis dólares! A Providência tinha ocorrido em auxílio da sua laboriosa família. Quase achava simpático o rosto de réptil de Wooden, e, naturalmente, começou a venerar a memória do desconhecido encontrado no deserto e que não pudera salvar apesar dos seus esforços.
Wooden estava satisfeito com a sua compra.
Com dedos trémulos pela impaciência enrolou o cigarro com uma folha de milho. Ao acendê-lo, apercebeu-se do rebuliço que chegava da rua, e compreendeu que a diligência quinzenal de Sweetwater-Abilene-Bandera acabava de aparecer envolta em nuvens de pó, pela rua central de Eden.
Como sempre, traria notícias, novidades frescas do mundo distante situado no outro extremo do grande deserto.
Era a única coisa que os ligava ao resto do mundo.
Para Eden a carruagem representava um laço de união com a quimérica civilização das populosas e selvagens cidades texanas. Os que se congregavam em torno da estação de posta, assediariam com perguntas os empregados e passageiros da «Tex Coach Line». Tudo aquilo que averiguassem não tardaria a propalar-se por toda a aldeia como o fogo aplicado a um rastilho de pólvora.
Wooden disse:
— Aqui tens o dinheiro. Conta-o. Se estás de acordo assina o recibo.
Sim. Estava de acordo.
Assinou, guardou o dinheiro numa algibeira e, com gratidão, dedicou um fugaz olhar ao revólver de coronha de nácar que Wooden colocava numa das prateleiras atafulhada de artigos de todas as cores e feitios.
— Obrigado, «mister» Wooden — disse em despedida.
Wooden retribuiu:
— Adeus, Peter.
Já no exterior, no alpendre, Brown aspirou uma golfada do ar tórrido que emanava da terra cozida pelo sol áspero. Ao longe, viu deter-se a carruagem poeirenta e ficar cercada pela ansiosa assistência que a esperava havia catorze dias. Na diligência, além das notícias, vinham também jornais do Norte, boletins do famoso centro ganadeiro de Abilene, e encomendas diversas.
Pedro dirigiu-se para onde tinha a montada.
Desatou as rédeas, saltou para a sela e meteu tacões à égua. Na realidade podia dizer-se que não tardaria a esquecer o revólver recém-vendido. Os dezasseis dólares eram a única coisa que contava agora para o chefe da sempre atribulada família Brown.
Ignorava, naturalmente, a loucura e o barulho que a arma de Lee Dunham promoveria, dentro em pouco, na pacífica povoação de Eden.
— É teu?
— Agora, é. Ofereceu-mo um cavaleiro que passou pelo rancho... há dias. Não tinha dinheiro, e pagou-me com isto a ajuda que eu e Maria lhe prestámos.
— Ah! — a voz melosa conservou o tom anterior. — Entendido.
— Examine-o por favor. Agradecia-lhe que desse o melhor preço.
Brown falava humildemente, como quem implora urna esmola. Intimidavam-no um pouco os olhos frios do prestamista, porque sabia que nada escapava à sua crua agudeza. Não havia dúvida que conseguia ler até os seus mais íntimos pensamentos. Wooden, pelo contrário, replicou com bastante secura imprópria dele:
— Sempre sou justo nas minhas transações. Ninguém pode dizer que eu o vigarizei alguma vez.
Pedro sentia-se constrangido.
Fazendo caso omisso do cinto, Wooden extraiu o revólver do coldre. Bom conhecedor da profissão, não se incomodou a evitar o brilho gasoso das pupilas. Magnífico revólver. Bem tratado, limpíssimo, sem uma mancha de óxido.
Aquele revólver era uma joia.
Acionou o cano imóvel e dedicou, depois, a sua atenção ao cilindro fixo. Expulsou as cápsulas com o extrator de estrela. Fez girar o tambor. Montou o percutor, premiu o gatilho e deleitou-se a escutar a música suave do cuidado e lubrificado mecanismo disparador.
Tudo isso sem pressas, desesperadoramente calmo, avaliando a joia mortífera que sustinha nas mãos.
— Bem, Pedro. Vejamos. Quanto pedes? — murmurou. Pedro disse:
— Não sei... Creio que o senhor é que deve oferecer, «mister» Wooden.
Este disse:
— Doze dólares pelo «Colt» e quatro pelo coldre e pelo cinto. É um bom preço.
Pedro estava satisfeito com a sua venda.
Dezasseis dólares representavam para Brown uma fortuna fabulosa. Maria fá-los-ia esticar e tiraria um substancioso sumo de cada cêntimo. Esteve tentado a prorromper em exclamações jubilosas. A emoção, porém, deixou-o mudo.
Wooden perguntou:
— Que dizes?
Pedro titubeou ao responder:
— Bem...
Wooden instou:
— Fala.
Pedro anuiu.
— Estou conforme!
Wooden disse, satisfeito:
— Acabas de realizar um bom negócio. Espera um momento enquanto passo o recibo.
Peter aguardou. Dezasseis dólares! A Providência tinha ocorrido em auxílio da sua laboriosa família. Quase achava simpático o rosto de réptil de Wooden, e, naturalmente, começou a venerar a memória do desconhecido encontrado no deserto e que não pudera salvar apesar dos seus esforços.
Wooden estava satisfeito com a sua compra.
Com dedos trémulos pela impaciência enrolou o cigarro com uma folha de milho. Ao acendê-lo, apercebeu-se do rebuliço que chegava da rua, e compreendeu que a diligência quinzenal de Sweetwater-Abilene-Bandera acabava de aparecer envolta em nuvens de pó, pela rua central de Eden.
Como sempre, traria notícias, novidades frescas do mundo distante situado no outro extremo do grande deserto.
Era a única coisa que os ligava ao resto do mundo.
Para Eden a carruagem representava um laço de união com a quimérica civilização das populosas e selvagens cidades texanas. Os que se congregavam em torno da estação de posta, assediariam com perguntas os empregados e passageiros da «Tex Coach Line». Tudo aquilo que averiguassem não tardaria a propalar-se por toda a aldeia como o fogo aplicado a um rastilho de pólvora.
Wooden disse:
— Aqui tens o dinheiro. Conta-o. Se estás de acordo assina o recibo.
Sim. Estava de acordo.
Assinou, guardou o dinheiro numa algibeira e, com gratidão, dedicou um fugaz olhar ao revólver de coronha de nácar que Wooden colocava numa das prateleiras atafulhada de artigos de todas as cores e feitios.
— Obrigado, «mister» Wooden — disse em despedida.
Wooden retribuiu:
— Adeus, Peter.
Já no exterior, no alpendre, Brown aspirou uma golfada do ar tórrido que emanava da terra cozida pelo sol áspero. Ao longe, viu deter-se a carruagem poeirenta e ficar cercada pela ansiosa assistência que a esperava havia catorze dias. Na diligência, além das notícias, vinham também jornais do Norte, boletins do famoso centro ganadeiro de Abilene, e encomendas diversas.
Pedro dirigiu-se para onde tinha a montada.
Desatou as rédeas, saltou para a sela e meteu tacões à égua. Na realidade podia dizer-se que não tardaria a esquecer o revólver recém-vendido. Os dezasseis dólares eram a única coisa que contava agora para o chefe da sempre atribulada família Brown.
Ignorava, naturalmente, a loucura e o barulho que a arma de Lee Dunham promoveria, dentro em pouco, na pacífica povoação de Eden.
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