PAS738. Shivery!
Hazel retirou-se para o seu quarto. Sentia-se tão feliz, como se tudo tivesse acabado e vivesse num mundo diferente, onde não existissem os Heston, nem o ódio e a mentira tivessem conspurcado o seu nome.
Amava King com todas as veras da sua alma. A seu lado sentia-se com uma segurança que nunca tivera, e parecia-lhe que nada de mal lhe poderia acontecer estando junto dele. Contemplou os estrelas a piscarem lá do alto, como se pretendessem anunciar-lhe que tudo mudara, animando-a a continuar aquelas relações, nas quais estaria a sua salvação. Tinha a certeza de que King também a amava.
Em várias ocasiões pressentira nos seus lábios uma declaração desse amor, mas ela procurou sempre evitá-la. Mas a partir desse momento, nunca mais o faria. Queria ouvi-lo dizer que a amava e partiriam para o Sul, longe dos ódios de Nova Salomão.
Na vila, notava-se, uma estranha atividade. Via-se - um grupo, cada vez mais numeroso, reunir-se em volta dos estábulos. Eram vaqueiros e cavaleiros desempregados, e rancheiros dos arredores. A todos o álcool subira à cabeça e sentiam-se ferozes, dispostos a qualquer bar-" baridade, pedindo sangue.
Um deles exclamava:
— Não somos homens, se consentirmos que essa perdida se misture com as mulheres decentes. É preciso dar-lhe um corretivo.
Um bêbado gritou:
—Shivaree! (1).
Esta palavra troou como uma granada em suas mentes desvairadas e, como um eco, gritavam todos:
—Shivaree!
—Vamos dar-lhe uma lição que não esquecerá facilmente — ordenou o que capitaneava o grupa.
Avançaram pela estrada, agitando paus e cordas. Os seus cérebros toldados pelo álcool transformavam em heroicidade o que não passava duma triste façanha de bêbados. Um do grupo exibia uma tesoura para lhe cortar os cabelos, e outro um molho de penas besuntadas com breu, com as quais recobririam a cabeça da jovem depois do corte efetuado. Riam à gargalhada, divertidos com o que iam fazer, sentindo-se os heróis da terra. No' dia seguinte, tinham a certeza, toda a gente tos admiraria, pelo seu feito. Os seus semblantes iam contraídos de' fúria e as mãos crispadas. Tinham o dever de vingar insulto sofrido.
Foram avançando até à barraca da rapariga. Sabiam que a encontrariam em casa, e sozinha.
Sentiram-se ainda mais fortes e decididos, ao verem àquela frágil barraca isolada no meio do campo. Mas o chefe do grupo parou, levantando, as mãos.
— É preciso avançarmos em silêncio, para a apanhar de surpresa. Podia fugir-nos.
Com cuidado, dirigiram-se para ali, cercando a barraca. Naquele momento, Hazel, ainda vestida, recostava-se no leito, sonhando com o amor de King e parecendo-lhe possível ser feliz.
Os vaqueiros pararam em redor da casa, sorrindo com ferocidade ante a façanha que iam cometer.
O chefe do grupo ergueu o braço, e deixou-o cair em seguida.
Em volta da barraca, produziu-se um estrepitoso escândalo. Os assaltantes batiam com paus em latas vazias, . outros estalavam com os chicotes e alguns batiam com pedras e paus nas portas e paredes da barraca, gritando desaforadamente. O chefe deu o exemplo, chamando com voz potente:
—Hazel que saia! Hazel que saia!
Dentro de casa, a rapariga pôs-se de pé, aterrada. Aquele barulho não pressagiava nada de bom, e receava que alguma coisa pior se lhe seguisse. Do quarto contíguo o pai perguntou:
— Que aconteceu, Hazel? Que é isto?
A rapariga, cada vez mais assustada, tentou acalmá-lo:
— Não é nada, papá; houve festa na vila, e devem estar alegres.
Mas o escândalo e o barulho aumentavam cada vez com mais força. As pancadas nas paredes e nas latas vazias iam aumentando: A rapariga ouvia chamarem pelo seu nome, e tapou os ouvidos, desesperada.
Mas os que estavam do lado de fora não tiveram paciência para esperar mais tempo e rebentaram com uma janela. Depois saltaram para dentro de casa à procura de Hazel.
— Que saia essa perdida! Vamos fazê-la dançar como merece!
A rapariga, vendo as sombras que lhe invadiam a casa, correu para junto de seu pai, em busca de proteção. Mas os vaqueiros seguiram-na até ali. Rindo brutalmente, lançaram-se sobre ela. Hazel abraçou-se ao pai, gritando desesperada, enquanto as lágrimas lhe inundavam as faces:
— Fora daqui! Deixem-me tranquila!
Mas tudo foi em vão. Apoderaram-se dela. Sentiu várias mãos puxarem-lhe pelo vestido; agarraram-lhe os braços arrastando-a dali. O velho, sem compreender o que se passava, exclamou:
— Hazel! Minha querida filha!
Tentou levantar-se ao ver que a arrastavam levando-a dali, e os vaqueiros, bêbados e sedentos de sangue atiraram-no ao chão, sem a menor complacência.
Aos empurrões, agarrando-a com força, arrastaram a rapariga para o campo. Alguns acenderam archotes e o seu tétrico esplendor iluminou a cena. Empurrada por várias mãos, com o vestido em desordem e os cabelos revoltos, Hazel caiu no solo, enquanto se aproximavam o chefe do grupo empunhando um chicote e um outro que exibia uma tesoura. — Como castigo da tua imundícia exclamou o vaqueiro— vamos cortar-te o cabelo, e depois cobrimos--te a cabeça com penas.
Levantou o chicote para a açoitar, mas nesse previso instante soou um tiro, e viu-se o vaqueiro agitar os punhos no ar e cair, como fulminado por um raio. Não tiveram tempo de se recompor da surpresa.
Quase em seguida ouviu-se o tropel dum cavalo e um grito penetrante, um grito de que todos os veteranos da guerra se recordavam. Tinham-no ouvido quando os guerrilheiros do Texas iniciavam uma das suas alucinantes cargas.
Um cavaleiro, de revólver em punho, avançava a todo o galope para eles, debruçado sobre o pescoço da sua montada.
King Lorringer também não pudera conciliar o sono. Aqueles momentos em que pudera estreitar a rapariga: contra o seu coração estavam demasiado presentes na sua mente, e preferiu dar um passeio a cavalo.
Depois dum bom galope, encaminhou-se para a barraca da jovem, para contemplar, à luz da Lua, o lugar onde ela vivia e se encontrava naqueles momentos.
Viu o grupo dos assaltantes com os archotes e calculou, embora em parte, o que estava acontecendo.
Ao aproximar-se a toda a brida, ergueu o revólver, fazendo fogo por duas vezes sobre a multidão. Depois esporeou o cavalo lançando-o sobre o grupo dos assaltantes.
Estes apavoraram-se. Era muito grande, depois da morte de Jack, o prestígio daquele homem e já matara um dos seus companheiros.
As balas sibilaram em volta das suas cabeças, enquanto outro do grupo caía ferido, gritando com dores. O cavalo atropelou dois ou três deles, e os restantes não tiveram coragem para esperar pelo que se avizinhava.
Soltando archotes, paus e tudo quanto levavam nas mãos, deitaram a correr, ficando somente o homem da tesoura junto de Hazel.
A Lua nova dava um claro e brilhante esplendor àquela cena e o assaltante viu como o cavaleiro corria para ele. Aterrado, gritou:
—Não! Não!
Mas King não se deteve a pensar. Premiu o gatilho, até esgotar o tambor. O homem da tesoura recebeu as três balas no corpo, estremecendo a cada tiro, e por fim caiu no solo, sem soltar a ferramenta com que imaginara troçar da rapariga.
King evolucionou com o cavalo como se procurasse novos adversários, mas todos os componentes do «charivari» tinham fugido apavorados, em direção a Nova Salomão.
Lorringer apeou-se, agarrou a rapariga pelos ombros e levantou-a. Ela contemplou-o, ainda aterrada, King perguntou:
— Estás bem agora, Hazel?
Ela assentiu, fitando-o apaixonadamente. Tinha-a salvo. Em silêncio, ficaram juntos por um momento. King mantinha-a nos seus braços. Parecia-lhe que ela ia entregar-se aos carinhos que sentia no seu coração, mas naquele momento Hazel exclamou:
—Meu pai!
Desprendeu-se do jovem e deitou a correr para casa. King acendeu um candeeiro que encontrou no quarto da rapariga, e viram o velho Morrison, estendido no chão, com os braços em cruz e os olhos sem vida, fixos no teto.
Amava King com todas as veras da sua alma. A seu lado sentia-se com uma segurança que nunca tivera, e parecia-lhe que nada de mal lhe poderia acontecer estando junto dele. Contemplou os estrelas a piscarem lá do alto, como se pretendessem anunciar-lhe que tudo mudara, animando-a a continuar aquelas relações, nas quais estaria a sua salvação. Tinha a certeza de que King também a amava.
Em várias ocasiões pressentira nos seus lábios uma declaração desse amor, mas ela procurou sempre evitá-la. Mas a partir desse momento, nunca mais o faria. Queria ouvi-lo dizer que a amava e partiriam para o Sul, longe dos ódios de Nova Salomão.
Na vila, notava-se, uma estranha atividade. Via-se - um grupo, cada vez mais numeroso, reunir-se em volta dos estábulos. Eram vaqueiros e cavaleiros desempregados, e rancheiros dos arredores. A todos o álcool subira à cabeça e sentiam-se ferozes, dispostos a qualquer bar-" baridade, pedindo sangue.
Um deles exclamava:
— Não somos homens, se consentirmos que essa perdida se misture com as mulheres decentes. É preciso dar-lhe um corretivo.
Um bêbado gritou:
—Shivaree! (1).
Esta palavra troou como uma granada em suas mentes desvairadas e, como um eco, gritavam todos:
—Shivaree!
—Vamos dar-lhe uma lição que não esquecerá facilmente — ordenou o que capitaneava o grupa.
Avançaram pela estrada, agitando paus e cordas. Os seus cérebros toldados pelo álcool transformavam em heroicidade o que não passava duma triste façanha de bêbados. Um do grupo exibia uma tesoura para lhe cortar os cabelos, e outro um molho de penas besuntadas com breu, com as quais recobririam a cabeça da jovem depois do corte efetuado. Riam à gargalhada, divertidos com o que iam fazer, sentindo-se os heróis da terra. No' dia seguinte, tinham a certeza, toda a gente tos admiraria, pelo seu feito. Os seus semblantes iam contraídos de' fúria e as mãos crispadas. Tinham o dever de vingar insulto sofrido.
Foram avançando até à barraca da rapariga. Sabiam que a encontrariam em casa, e sozinha.
Sentiram-se ainda mais fortes e decididos, ao verem àquela frágil barraca isolada no meio do campo. Mas o chefe do grupo parou, levantando, as mãos.
— É preciso avançarmos em silêncio, para a apanhar de surpresa. Podia fugir-nos.
Com cuidado, dirigiram-se para ali, cercando a barraca. Naquele momento, Hazel, ainda vestida, recostava-se no leito, sonhando com o amor de King e parecendo-lhe possível ser feliz.
Os vaqueiros pararam em redor da casa, sorrindo com ferocidade ante a façanha que iam cometer.
O chefe do grupo ergueu o braço, e deixou-o cair em seguida.
Em volta da barraca, produziu-se um estrepitoso escândalo. Os assaltantes batiam com paus em latas vazias, . outros estalavam com os chicotes e alguns batiam com pedras e paus nas portas e paredes da barraca, gritando desaforadamente. O chefe deu o exemplo, chamando com voz potente:
—Hazel que saia! Hazel que saia!
Dentro de casa, a rapariga pôs-se de pé, aterrada. Aquele barulho não pressagiava nada de bom, e receava que alguma coisa pior se lhe seguisse. Do quarto contíguo o pai perguntou:
— Que aconteceu, Hazel? Que é isto?
A rapariga, cada vez mais assustada, tentou acalmá-lo:
— Não é nada, papá; houve festa na vila, e devem estar alegres.
Mas o escândalo e o barulho aumentavam cada vez com mais força. As pancadas nas paredes e nas latas vazias iam aumentando: A rapariga ouvia chamarem pelo seu nome, e tapou os ouvidos, desesperada.
Mas os que estavam do lado de fora não tiveram paciência para esperar mais tempo e rebentaram com uma janela. Depois saltaram para dentro de casa à procura de Hazel.
— Que saia essa perdida! Vamos fazê-la dançar como merece!
A rapariga, vendo as sombras que lhe invadiam a casa, correu para junto de seu pai, em busca de proteção. Mas os vaqueiros seguiram-na até ali. Rindo brutalmente, lançaram-se sobre ela. Hazel abraçou-se ao pai, gritando desesperada, enquanto as lágrimas lhe inundavam as faces:
— Fora daqui! Deixem-me tranquila!
Mas tudo foi em vão. Apoderaram-se dela. Sentiu várias mãos puxarem-lhe pelo vestido; agarraram-lhe os braços arrastando-a dali. O velho, sem compreender o que se passava, exclamou:
— Hazel! Minha querida filha!
Tentou levantar-se ao ver que a arrastavam levando-a dali, e os vaqueiros, bêbados e sedentos de sangue atiraram-no ao chão, sem a menor complacência.
Aos empurrões, agarrando-a com força, arrastaram a rapariga para o campo. Alguns acenderam archotes e o seu tétrico esplendor iluminou a cena. Empurrada por várias mãos, com o vestido em desordem e os cabelos revoltos, Hazel caiu no solo, enquanto se aproximavam o chefe do grupo empunhando um chicote e um outro que exibia uma tesoura. — Como castigo da tua imundícia exclamou o vaqueiro— vamos cortar-te o cabelo, e depois cobrimos--te a cabeça com penas.
Levantou o chicote para a açoitar, mas nesse previso instante soou um tiro, e viu-se o vaqueiro agitar os punhos no ar e cair, como fulminado por um raio. Não tiveram tempo de se recompor da surpresa.
Quase em seguida ouviu-se o tropel dum cavalo e um grito penetrante, um grito de que todos os veteranos da guerra se recordavam. Tinham-no ouvido quando os guerrilheiros do Texas iniciavam uma das suas alucinantes cargas.
Um cavaleiro, de revólver em punho, avançava a todo o galope para eles, debruçado sobre o pescoço da sua montada.
King Lorringer também não pudera conciliar o sono. Aqueles momentos em que pudera estreitar a rapariga: contra o seu coração estavam demasiado presentes na sua mente, e preferiu dar um passeio a cavalo.
Depois dum bom galope, encaminhou-se para a barraca da jovem, para contemplar, à luz da Lua, o lugar onde ela vivia e se encontrava naqueles momentos.
Viu o grupo dos assaltantes com os archotes e calculou, embora em parte, o que estava acontecendo.
Ao aproximar-se a toda a brida, ergueu o revólver, fazendo fogo por duas vezes sobre a multidão. Depois esporeou o cavalo lançando-o sobre o grupo dos assaltantes.
Estes apavoraram-se. Era muito grande, depois da morte de Jack, o prestígio daquele homem e já matara um dos seus companheiros.
As balas sibilaram em volta das suas cabeças, enquanto outro do grupo caía ferido, gritando com dores. O cavalo atropelou dois ou três deles, e os restantes não tiveram coragem para esperar pelo que se avizinhava.
Soltando archotes, paus e tudo quanto levavam nas mãos, deitaram a correr, ficando somente o homem da tesoura junto de Hazel.
A Lua nova dava um claro e brilhante esplendor àquela cena e o assaltante viu como o cavaleiro corria para ele. Aterrado, gritou:
—Não! Não!
Mas King não se deteve a pensar. Premiu o gatilho, até esgotar o tambor. O homem da tesoura recebeu as três balas no corpo, estremecendo a cada tiro, e por fim caiu no solo, sem soltar a ferramenta com que imaginara troçar da rapariga.
King evolucionou com o cavalo como se procurasse novos adversários, mas todos os componentes do «charivari» tinham fugido apavorados, em direção a Nova Salomão.
Lorringer apeou-se, agarrou a rapariga pelos ombros e levantou-a. Ela contemplou-o, ainda aterrada, King perguntou:
— Estás bem agora, Hazel?
Ela assentiu, fitando-o apaixonadamente. Tinha-a salvo. Em silêncio, ficaram juntos por um momento. King mantinha-a nos seus braços. Parecia-lhe que ela ia entregar-se aos carinhos que sentia no seu coração, mas naquele momento Hazel exclamou:
—Meu pai!
Desprendeu-se do jovem e deitou a correr para casa. King acendeu um candeeiro que encontrou no quarto da rapariga, e viram o velho Morrison, estendido no chão, com os braços em cruz e os olhos sem vida, fixos no teto.
(1) Corrupção da palavra charivari, como que no Oeste se designava o escândalo e o barulho.
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