PAS739. Insultos difíceis de engolir

Mike deteve-se diante da entrada do «saloon». Saíam ruídos de música desafinada, risos de mulher demasiado altos e risotas masculinas. Ali dentro a gente parecia divertir-se. Se entrava, era quase seguro que de pronto teria uma questão com Dogan ou qualquer outro bêbado desordeiro. Na maior parte os vaqueiros dos outros ranchos haviam deixado de meter-se com ele, tratando-o com certa indiferença desdenhosa. Conhecia-se a sua boa pontaria e sabiam-se as suas façanhas que salvaram o gado do rancho. Isso travava muito o desprezo daqueles homens por um que recusava sistematicamente lutar, ainda que fosse provocado. De qualquer modo, não podia dizer que contasse com muitos amigos, fora três ou quatro dos seus próprios companheiros. E não queria causar-lhes dissabores.
Seguiu o seu caminho e abriu os batentes da taberna de Harris. Era o local mais sossegado da povoação e dava-se bem com o seu dono.
Havia pouco mais de uma dezena de clientes, entre eles dois ou três dos seus companheiros e vários vaqueiros dos ranchos vizinhos. Quase todos bebiam ou jogavam na companhia de batoteiros profissionais e gente da população. Ali não havia mulheres. Como o conheciam, apenas recebeu uns olhares e dois ou três cumprimentos indiferentes ou desdenhosos. Preferia assim. Acercou-se do balcão e cumprimentou o taberneiro.
— Olá!, John. Dê-me um trago.
— Olá! Mike. Chegaste um pouco tarde.
— Não tinha pressa.
Era o que costumavam dizer... Mais ou menos, as mesmas frases todos os sábados. O taberneiro serviu-lhe de beber e Mike saboreou um gole, enrolando epois, destramente, um cigarro. Mike perguntou:
— Muitas novidades por aqui esta semana?
— A mulher de Curly Farow teve uma filha na quinta-feira. Boa bezerrinha... E um mexicano, recém--chegado, deu uma boa navalhada a Tom Willard, quando ontem disputavam por uma jogada de «poker».
— Que aconteceu ao mexicano?
— Está preso.
Durante os quine minutos seguintes, Mike não fez outra coisa que fumar e beber a curtos sorvos, enquanto contemplava os demais com os olhos semicerrados e o chapéu deitado para a nuca. Observando-o, dir-se-ia que não olhava para ninguém, mas para dentro de si, ou para uma distância insondável. Também se notava, na sua descuidada atitude, certa instintiva tensão, cheia de energia contida.
Mais tarde, vozes ásperas soaram na rua. Mike passou a língua pelos lábios e ficou com o rosto sombrio. Porém, antes que pudesse fazer outra coisa, os batentes abriram-se com violência, dando passagem a três homens.
Vinha à frente um tipo alto, forte, moreno, de compridos bigodes pretos, olhos raiados de sangue e pálpebras empapuçadas. Trazia o revólver colocado baixo e mexia nele com ar fanfarrão. Deteve-se sobre as pernas bem abertas e passeou o olhar pela sala, onde a sua aparição tinha provocado certa tensão e olhares de esguelha a Mike.
Depois, aparentando não ver este, avançou com passo pesado até ao balcão e foi encostar-se ali, a uns dois metros do silencioso vaqueiro. Os seus dois companheiros imitaram-no, olhando Mike também de esguelha, com um sorriso desdenhoso.
Este voltou-se para colocar o seu copo sobre o balcão. Um bom observador teria captado o aperto dos seus lábios.
— Quanto devo, John? — inquiriu.
— Vinte e cinco cêntimos.
Dogan levantou a sua voz áspera, detendo o taberneiro:
— Deixa essa rata, John, e serve-nos, a nós, homens, um trago.
O seu insulto fez calar toda a gente. O taberneiro olhou Mike de soslaio.
Este apenas acusou o insulto com um cerrar de olhos. Lançou um dólar sobre o balcão e disse seco:
— Paga-te, John.
— Já disse que me sirvas primeiro. — Dogan voltou-se, para olhar Mike com desdém agressivo. — Esse  porco sujo com sangue de negro pode esperar que eu me permita pagar e sair.
— Maldito seja! — um dos vaqueiros do «Círculo Cross» que estavam ali não pôde aguentar mais, e saltou, derrubando a cadeira, com os olhos chamejantes. — Já me fartei de passar vergonha por tua culpa, Mike Morgan! E tu, Dogan, olha para cá! Nem todos os homens do «Círculo Cross» temos tão pouca coragem como esse. Se queres zaragata, aqui me tens!
Os outros dois vaqueiros do «Círculo Cross» levantaram-se também, agressivos e carrancudos. Dogan pôs-se em guarda e também os seus dois companheiros. Ninguém parecia reparar em Mike, de tal forma era. considerado coisa desprezível.
— Já vejo que és um galito de combate, Biggert — «grunhiu» Dogan. — Porém, não deverias dar a cara por um reles tipo desprezível como esse vosso companheiro. De qualquer modo, se queres barulho, adiante...
— Será melhor que ambos deixeis as mãos quietas.
A suave e fria ordem de Mike obrigou todos a olharem-no. Dogan pestanejou, perplexo. E também alguns outros. Porque na mão direita do vaqueiro se achava firmemente empunhado um revólver.
— Tem cinco balas — continuou no mesmo tom. —E uma só é bastante para acabar com um assassino bêbado. É melhor que levantes as tuas mãos, Dogan e não me obrigues a puxar o gatilho.
No brusco silêncio da sala, Dogan soltou um violento palavrão.
— Se pensas que porque me colheste de surpresa...
O tiro estalou com fortes ecos. Dogan deu um pulo ao sentir a queimadura da bala sobre o lóbulo da orelha,
— Talvez já tenhas ouvido falar da minha pontaria. Não me obrigues a demonstrá-la.
Pouco a pouco, as mãos de Dogan levantaram-se. E também as dos seus companheiros. Estavam mais desconcertados que assustados pela inesperada reação de quem até então se havia mostrado tão pouco belicoso. Mike voltou a dizer ao taberneiro:
— Paga-te, John.
Em silêncio, o taberneiro obedeceu. Sem deixar de apontar ao trio de corridos assassinos, Mike recebeu o troco e guardou-o. Depois caminhou para a porta. Olhou então o vaqueiro que momentos antes estalara de nojo.
— Tens o sangue demasiado quente, Don — disse--lhe com calma. — Quando fores dar uma ajuda a um companheiro, assegura-te primeiro se ele na verdade o necessita.
O outro mastigou em seco, suspenso do que Mike dizia. E antes que ele ou alguém desse palavra, Mike saiu do local.

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