PAS749. O apelo da honestidade

Cinco horas depois aqueles homens não pareciam os mesmos, ao entrarem no «rancho» em que residia Corver.
No momento em que penetraram no salão recebeu-os uma quente salva de palmas. Helen, acompanhada por seu pai, deu-lhes as boas-vindas.
Luci, ao lado de Paul, estava radiante como nunca. Do seu rosto haviam desaparecido os vestígios do cansaço, e a sua figura esbelta desenhava-se perfeitamente graças ao vestido que lhe emprestara a filha do anfitrião.
Estavam reunidos todos os criadores de gado da região e as autoridades das povoações próximas.
— Agrada-te sentires-te honrado, Pierre? — perguntou Stevens, em voz baixa, que se apercebeu do efeito que haviam causado as suas palavras.
Pela primeira vez Pierre sentia o verdadeiro prazer da honradez. Não era a segurança que ele procurava numa vida retirada e tranquila. Era a satisfação, o sentir-se acarinhado pelo facto de ser honrado. Também ele, quando se inteirou de que havia salvado duzentos mil dólares, sentira passar-lhe fugazmente pela cabeça a ideia de que o melhor teria sido mudarem de direção e levarem o dinheiro. Estava certo de que no cemitério de Saint Cloud não havia uma quantia semelhante.
Naquele momento a orquestra, de cinco elementos, atacou os compassos alegres de uma canção vaqueira. Helen sorriu a Paul, o que estava mais próximo, e este convidou-a a dançar. Deram as primeiras voltas sozinhos. Depois Stevens passou o braço pela cintura de Luci e ambos se reuniram ao par que dançava.
Uns compassos mais e amplo solão ficou cheio de pares.
Era a primeira vez que Stevens abraçava Luci. Sentia o seu corpo muito perto e uma estranha sensação de felicidade envolvia-o. Era uma sensação rara, que poucas vezes havia experimentado. Os seus olhos encontraram os dela e por instantes ambos sustentaram os olhares. Depois, quase ao mesmo tempo, baixaram a vista e deixaram-se embalar pela música.
Quando terminou aquela dança, Helen foi buscar Stevens e dançou com ele. Depois fez o mesmo com Jim e Pierre.
Seis números de dança depois, a orquestra atacou um «glanfond». Os sons rápidos encheram o salão e os pares movimentaram-se, ágeis. A cada quatro voltas as mulheres desprendiam-se dos braços dos respetivos pares e mudavam para outros.
Numa dessas mudanças Luci foi parar aos braços de Stevens. Giraram uma vez, adiantaram-se com dois passos curtos e voltaram a girar duas vezes. A quarta, os braços retiveram-se fortemente e não a deixaram fugir.
Stevens fê-la dar umas voltas mais e, aproveitando o facto de estar próxima a porta do jardim, conduziu-a para a saída.
Luci, entontecida pelas voltas, abanou a cabeça e riu.
-- É a primeira vez que a oiço rir, Luci — disse Stevens.
— E admira-se? — perguntou a rapariga. — Não creio que alguma mulher possa estar muito alegre durante uma viagem de quatro dias, suportando um sol terrível e comendo sempre o mesmo.
— Lamento-o, mas todos temos pressa de chegar a Saint Cloud.
— Fica a quatro milhas daqui, que é como se dissesse na esquina mais próxima... Está mais tranquilo?
— Não! Não creio que a nossa aventura termine ali.
— Então onde?
— Não sei, mas estou certo de que nem todos aceitarão o fim que eu quero impor.
— Nem todos? Se é verdade o que disse creio que nenhum o aceitará.
— Um, talvez: Pierre. No fundo é um homem formidável, que está agora a viver um dos momentos mais agradáveis da sua vida, sentindo-se honrado. Não é todos os dias que se tem a oportunidade de devolver duzentos mil dólares.
— Quer dizer que a presença de Helen não influi nestes momentos agradáveis para Pierre? — perguntou Luci, com malícia.
— Pode ser... Pierre é um bom homem e necessita de alguém que o ame. Pode encontrar o amor em qualquer sítio, onde menos se imaginar, num salão, a dançar, ou num jardim, passeando ao luar.
Luci fitou Stevens.
— Que quer dizer? — perguntou, por fim.
— Luci, permite-me uma pergunta?
— Faça-a sem receio. Imagino qual será.
— Ama Paul?
— Vejo que não me enganei. Esperava essas mesmas palavras. Melhor dizendo, se pretende a verdade, não de um modo tão direto, mas a mesma ideia...
— E que responde?
-- Não. Não o amo.
— Então... porque casa com ele?
— Paul é o poder em Dorming e encheu o nosso «rancho» de pistoleiros, que lhe são fiéis e dedicados.
— Poucos devem restar. Deixámos um montão de mortos à entrada do «rancho» quando fugimos.
— Sim, isso alegrou-me bastante... Há anos, quando se apresentou no nosso «rancho», à procura de trabalho, pareceu-me simpático. Eu era uma rapariga jovem e inexperiente e agradou-me, não posso nega-lo, o aspeto de Paul. Ajudei-o em tudo o que pude e, sem me aperceber, fui-me enamorando dele. E ele foi-se impondo cada dia mais nas questões do «rancho» até chegar a tornar-se imprescindível e ocupar o lugar de capataz, depois de matar o que tínhamos, um homem que nos havia sido fiel durante quinze anos. A sua rapidez no manejo das armas foi o que primeiro me fez pensar que o seu passado não era tão limpo como devia ser o de um lie/nem honrado... ou, pelo menos, o de um homem que merecesse ser meu esposo. Depois, meu pai ficou paralítico e a partir daquele momento a única vontade que imperou ali foi a sua. Se não casar com ele estou plenamente convencida de que meu pai morrerá assassinado.
— E estava disposta a casar-se para salvar a vida de seu pai?
— Sim, e ainda o estou.
— Creio que não será necessário o seu sacrifício, Luci; durante estes dias, tenho-me ido apercebendo de muitas coisas. Cavalgámos juntos muitas milhas e tive tempo de observar e de anotar todas as suas reações... Luci, eu creio que... — Stevens pigarreou uns momentos e engoliu em seco. Era-lhe difícil exprimir o que sentia — ... Luci, olha... tenho-te observado desde que deixámos o «rancho» e...
— Sim, já o disseste... e depois?
Era a primeira vez que se tratavam por tu.
Na semiobscuridade viam-se os olhos dela, suspensos do movimento dos lábios de Stevens.
—Luci, creio que... que te...
— Que...? — perguntou ela, num sussurro, apercebendo-se da sua vacilação.
Stevens voltou a pigarrear.
Naquele momento ouviram-se passos perto. Voltaram--se e viram Pierre e Helen caminhando lentamente pelo jardim.
Stevens sorriu ao vê-los.
—De que te ris—perguntou-lhe Luci.
— De Pierre. Pensava nele. li um bom rapaz e...
-- Já o disseste há pouco — interrompeu ela.
De repente, Stevens pareceu despertar.
— Vamos dançar? — perguntou.
A sua voz voltara ao mesmo tom de antes, quando no salão tinha ido buscá-la para dançar.
Ao reentrarem no salão, os olhos de Stevens procuraram Paul. Estava a um canto, conversando com Corver. Depois, seguindo o rancheiro-banqueiro, subiu as escadas e desapareceu por uma porta.
— Não receias que o meu futuro esposo fuja? — perguntou ela, com ironia.
— Não, estás tu aqui e o cemitério a poucas milhas. São duas garantias que me fazem estar seguro.

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