PAS764. Os vidros que denunciavam um acto cobarde

A interminável noite de espera esgotara os nervos dos homens de Jules Carson. Quando a luz do amanhecer surgiu, eles decidiram que tinha chegado o momento de descansar.
— Assim, com a luz do dia, metade de nós chega para vigiar! — exclamou um deles, para Jules.
— Está bem, vão dormir. Mas não todos, pois quero que alguns fiquem de sentinela.
Jules Carson não saíra da entrada da casa. Estava pálido e com sulcos profundos nas pálpebras. Decidiu continuar ali. Sabia que aquelas horas eram, decisivas para ele.
— Se esses imbecis não vierem, procurarei três homens que os substituam, para entrarem por aqui, disparando, e se escapem depois, deixando um rasto bem visível e o cadáver de Margaret. O xerife não é homem para proceder a averiguações, depois do que eu lhe contar... Conheço-o muito bem...
Acabava ele de pensar em Leo Harrys, quando um dos homens que estava de sentinela, gritou do cercado onde se encontrava:
— Vem aí o xerife, patrão!
— Só?
— Sim, só. Deixamo-lo passar?
— Claro que sim, imbecil! — retorquiu, aborrecido.
Arrepelou-se todo de raiva. Estava excecionalmente nervoso. Que diabo quereria aquele intruso?
— Já sei! — disse para consigo. — Vem dizer-me que os presos conseguiram fugir. Sim, com certeza que é isso o que veio cá fazer, este supremo. idiota...
Leo Harrys chegou diante da casa, com ar bem-disposto.
— Adeus, Jules! Já sabes. que esses tipos...?
— Sim, já sei! Não vens cá para que te felicite, pois não, Leo?
O outro encolheu os ombros.
— Bem... as coisas são como são... Eles surpreenderam-me, uma coisa que pode acontecer a qualquer. Suponho que por uns miseráveis dólares não quererás ter um xerife infalível...
Jules sorriu com desprezo.
— Suponho que não. O que é que o trouxe cá?
Mas Leo Harrys em vez de responder, fez-se desentendido e perguntou:
— Onde está Margaret? Sei que costuma madrugar, e preciso falar com ela.
Jules fez-se pálido e o rosto tornou-se apoplético de furor. Foi só um momento, porque ele recobrou imediatamente a calma, mas Leo Harrys teve tempo de ver a sua reação.
— Margaret dorme — respondeu Jules. — Deixa-a em paz, Leo. Não quero que a incomodem, agora.
O xerife desmontou sempre com a mesma calma estereotipada no rosto.
— Lamento, mas ela deve vir comigo à povoação para assinar uns documentos, acerca da queixa contra esse rapaz... aliás, sei que ela não se aborrecerá se eu lhe bater à porta do quarto para a despertar.
Os nervos de Jules Carson, já crispados pela noite de vigilância, deram de si, e o tio de Margaret saltou para a frente do xerife, gritando furioso:
— Não entres! Já te disse que não se pode incomodá-la!
Leo Harrys não fez caso.
— Então, Jules! replicou ele, sempre com o mesmo tom calmo. — Somos velhos amigos, e Margaret não se importará até de que eu entre no seu quarto para a acordar.
Resolutamente, Jules agarrou-o por um braço.
— Não sejas parvo! Já te disse que não podes entrar! Deixa ficar os documentos e eu te os mandarei já assinados!
Então, Leo Harrys cometeu a imprudência de dizer:
— Será que a tens prisioneira, Jules?
O assassino de Howard Carson empalideceu ainda mais e explodiu de raiva. «Sacou» velozmente o «Colt», engatilhando-o ao mesmo tempo que o erguia.
Sem hesitar pôs a arma junto à cara do xerife. Este, surpreendido, ouviu-o dizer:
— Cala-te! Esta casa é minha e não tens direito de entrar nela, sem um mandado judicial! Não é assim que diz a lei?
Harrys manteve-se sereno, respondendo de forma a não elevar a voz:
— Que eu saiba a casa não é tua, Jules. É de Margaret! «Ainda» não é a tua casa...
Acentuou demasiadamente a palavra «ainda». Tanto, que Jules Carson percebeu perfeitamente a sua intenção. Os lábios do miserável tio de Margaret cerraram-se mais, tornando-se uma ténue linha. Estava lívido de raiva e de medo.
— Que estás a insinuar?
Leo Harrys replicou furioso:
— Larga esse revólver, Jules! Cometes um delito grave, ao empunhá-lo contra .mim! Quero ver a tua sobrinha! Falo claro, ou precisas dum tradutor?
O outro hesitou por momentos, mas depois baixou a arma lentamente e guardou-a no cinturão.
— Desculpa, Leo. Estou nervoso e vou dizer-te o que se passa. Minha sobrinha... Acontece que se apaixonou por esse Dale Miller, o dos «mustangs»...
Ante a estranheza do xerife, esclareceu:
— Sim, bem sei que, primeiro, fez com que ele fosse preso... Mas as mulheres são todas loucas. Quando ontem à noite soube que ele fugira da prisão fingiu sentir-se desolada. — Não te engano, Leo, isto é demasiado grave para mim. Ela foi com dois homens procurá-lo, para o ajudar a escapar. E eu não podia dizer-te que Margaret estava tentando auxiliar um fugitivo, como deves compreender. Essa a razão porque comecei por te mentir.
Jules falava com a cabeça baixa, e expunha com dificuldade a versão que inventara. Não tinha um espírito muito brilhante, de forma a poder imaginar dum momento para o outro uma história daquelas, mas o esforço a que era obrigado, fazia-o parecer mais sincero.
Pelo menos, Leo Harrys acreditou nas suas palavras.
— Sabes, neste assunto, há uma enorme confusão! — disse. — O assassino do teu irmão... Ainda não compreendi a razão por que o mataram...
Jules pareceu perceber no tom de voz do xerife que estava a ponto de acreditar no que lhe dissera e reforçou a sua explicação.
—Pois é fácil de compreender, Leo. Ele ia descobrir o esconderijo desses ladrões de cavalos. Porque eles são ladrões de gado. Os «mustangs» foram sempre um bem comum e eles não têm nenhum direito de se apropriar deles e de vendê-los por um preço que rebaixa o preço de todos os outros ganadeiros. Ainda que nenhuma lei o diga, o costume faz lei, xerife!
Convencido, Leo Harrys acenou afirmativamente com a cabeça.
— Sim, é certo — murmurou entredentes. — Não devia ter dado ouvidos a esse homem que...
— De que homem falas?
O outro esquivou-se a dizer.
— Não é nada. De qualquer maneira. também há quem diga que são animais selvagens, que pertencem a quem os apanha, como sucede com todos os outros animais que andam pelas montanhas.
— Não discutamos, agora, tais pormenores, Leo. Estou preocupado por Margaret e creio que mandarei alguns homens buscá-la. Se ela se encontra junto de Dale Miller, correrá perigo! Tu próprio, talvez devesses ir em sua procura.
O xerife disse que ia pensar em tal hipótese e voltou para junto do cavalo. No momento em que punha a mão na sela, e se preparava para montar, ouviu-se um grande estrépito de vidros quebrados.
Leo voltou-se para a casa, enquanto a voz de Margaret, uma voz que o representante da lei tão bem conhecia, gritava:
— Harrys não abale! Tire-me daqui! Ajude-me, Harrys! Meu tio sequestrou-me!
Margaret partira os vidros da janela do seu quarto, com o tacão dum sapato, para poder chamar a atenção do xerife.
Leo Harrys que não era cobarde, soltou uma praga, bradando furioso:
— Jules, tornaste-te louco, maldito embusteiro!
Lançou-se para a entrada da casa, impetuosamente. Demasiado impetuosamente, porque Jules Carson só teve de levantar o braço direito para o agredir violentamente com a coronha do revólver, quando o xerife passava junto dele.
Leo foi cair à entrada da casa, aparatosamente. Jules aproximou-se dele, mantendo-o sob a ameaça da mira do «Colt».
— Imbecil! — rugiu. — Ninguém te pediu para te meteres onde não eras chamado!
Alguns dos homens acercavam-se curiosos. Jules disse que agarrassem no xerife e o metessem dentro de casa.
— Não tenham medo... Um xerife é um homem como outro qualquer. Quase sempre vale menos do que os outros, pois só os imbecis aceitam este trabalho maldito!
Levantaram Leo Harrys. Jules entrou em casa, indicando aos homens que o seguissem.
— Para a adega!
Aquela divisão da casa tinha uma porta muito sólida, e ninguém poderia fugir dali a não ser fazendo-a voar com dinamite.
O xerife foi «delicadamente» atirado pelo ar, chocando contra os húmidos degraus de pedra. Ainda inconsciente, ali ficou imóvel.
Jules Carson, que parecia dominado de urna raiva fria, dirigiu-se para o quarto da sobrinha, seguido pelos seus homens. Margaret recebeu-o com palavras de censura.
— Que fizeste ao xerife ? Como te atreveste... ?
O tio aproximou-se dela enfurecido.
— Eu atrevo-me a tudo, pequena! A tudo!
E para demonstrá-lo, levantou a mão e esbofeteou-a com violência, Margaret só não caiu no solo, porque o próprio tio a segurou por um braço. Voltando-se para os seus homens, Jules bradou:
— Levem-na para a cave...! Não se prendam com delicadezas e deixem-na.
Os homens pareciam hesitar. Apesar do que Jules lhes tinha dito, sentiam bastante respeito pelo xerife.
— Que se passa com vocês, idiotas?
— É por causa do xerife. Compreende não podemos tê-lo preso indefinidamente.
— Descansem, que não o teremos ali indefinidamente...
O sorriso zombeteiro atentou-lhe o cinismo da expressão.
— O dever dum xerife — continuou — é enfrentar os delinquentes. Leo Harrys vai defrontar-se com os bandidos que assassinaram minha sobrinha. E, por desgraça, cairá, também, debaixo do fogo das suas armas, no cumprimento do seu dever. Creio que um inútil como ele, não merecia tantas honras, mas... enfim... vai tê-las! — acrescentou, desdenhosamente.
E enquanto observava como os seus homens levavam a sobrinha, que se mantinha inconsciente, pensava:
— Agora poderei ocupar-me do resto. Não é natural que esse ladrão de gado, o tal rapaz dos «mustangs» apareça por aí. Não deve ser um tipo muito romântico. Certamente, prefere salvar a pele lógico.

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