PAS776. O «cow-boy» que quase caiu do cavalo
Os momentos em que o xerife tinha de agir eram tão esporádicos que naquela manhã, convencido que nada ia acontecer que exigisse a sua presença, Andrew Jackson fechou a porta do seu escritório e montou na intenção de dar uma volta pelos arredores.
A terra americana é tão fértil em panorâmicas de rara beleza para os olhos daqueles que a sabem apreciar, que em qualquer parte o olhar se extasia diante de paisagens deslumbrantes.
Próximo de Newton City corria um regato que serpenteava por entre a densa vegetação, formando aqui uma cascata com as águas a caírem lá de cima em turbilhão; formando um branco rendado de espuma na base do rochedo, acolá; límpidas e serenas como um lago a onde o gado ia beber e a erva crescia viçosa, sempre emoldurado num colorido paisagístico que seduzia.
Eram estes os locais que mais agradavam a Andrew Jackson e que este preferia para os seus passeios.
Sentava-se sobre as raízes de uma das árvores altíssimas, defronte do curso de água, deixando o cavalo livre, e entregava-se aos seus pensamentos, às recordações dolorosas ou felizes que nunca o abandonavam. Refletia no que tinha sido a sua vida e meditava naquela parte da Declaração da Independência de quatro de Julho de mil setecentos e setenta e seis, que ele tinha decorado:
«São verdades incontestáveis para nós: que todos os homens nascem iguais, que o Criador lhes conferiu certos direitos inalienáveis, entre os quais o de vida, o de liberdade e o de buscar a felicidade.»
Andrew Jackson ainda não conseguira alcançar a felicidade e estava profundamente convencido de que já era demasiado tarde para o tentar. Trinta e nove anos de vida, sete dos quais ao serviço da Lei e da Justiça, haviam--lhe endurecido o coração e destruído a esperança de atingir esse dom tão caro ao coração dos homens. Por alturas dos seus vinte anos e num espaço de tempo que durara até próximo dos trinta, Jackson pensava, como todos os da sua idade, em abandonar aquela vida de aventuras e encontrar uma alma gémea da sua, com a qual fundaria o seu lar, primeiro passo para a felicidade. Depois, com o rodar dos tempos, apercebeu-se que não tinha feitio para aquelas coisas, que o seu coração estava demasiadamente empedernido para amar e que, principalmente, estava a ficar velho.
Agora ao perlustrar o que ia ser o seu futuro, via que estava só, tão só como o ermita que foge do contacto humano, a velhice a aproximar-se a passos agigantados... Trinta e nove anos! Num ápice atingiria os cinquenta, os sessenta e depois?...
Ou talvez não durasse tanto. O seu nome podia estar escrito numa bala de um pistoleiro e deixaria o mundo, abandonando o corpo caído sobre o pó da estrada, empapado em sangue. Quem sabe se seria já hoje, ou amanhã?... No Oeste o limite de uma vida não pode ser calculado pela saúde do seu corpo, mas sim pela sorte desse mesmo corpo em não encontrar uma bala disparada que o faça perecer.
Afugentando os seus pensamentos sombrios, um tudo--nada fúnebres, Andrew recordou-se do pedido que o banqueiro lhe fizera para que fosse visitar a filha, cuja propriedade ficava muito próxima dali e resolveu ir até lá.
Tinha simpatizado com a jovem ao sentir o seu peito arfar com os soluços, c ao ver as lágrimas deslizarem-lhe pelo rosto, enquanto comprimia os lábios para abafar os gemidos.
Foi buscar o cavalo e depois de montar dirigiu-se sem pressas para o rancho de «mister» Gradford.
Desde a entrada até ao edifício da habitação, o xerife foi perseguido por um cão preto que ladrava furiosamente, perante o desagrado do solípede que se sentia por certo incomodado.
Este alarido teve o condão de alertar os moradores da casa e quando chegou à porta já era esperado por uma mulher.
— «Trovão»! Aqui!
O canino calou-se e foi aninhar-se aos pés da dona.
— Desculpe, xerife, esta receção tão ameaçadora. O «Trovão» não sabia que o papá o tinha convidado a vir visitar-nos!
Andrew ficou tão perturbado ao fitar os olhos negros daquela mulher, que as palavras lhe morreram na garganta e quase ia caindo por meter mal o pé no estribo ao apear-se.
Não era muito nova, mas conservava ainda a frescura de uma juventude recente. Tinha fartos cabelos compridos a caírem-lhe sobre os ombros e o seu corpo era harmonioso. Mas aqueles olhos... não os podia fitar!
— Venha, minha irmã espera-o ansiosamente.
Amarfanhando desajeitadamente o chapéu nas mãos, Andrew seguiu-a. Se soubesse os tormentos de que ia ser vítima, teria recusado aquele convite.
A residência de «mister» Gradford estava mobilada com um requinte que Jackson jamais vira, de tal forma que começou a matutar se o banqueiro não se divertira à sua custa com aquela conversa no seu gabinete.
Entretanto, a filha do milionário introduziu-o no quarto da irmã.
— A minha irmã Suzy... O senhor...
— Jackson... Andrew Jackson...
A jovem que estava sentada na cama estendeu-lhe a mão livre, com um sorriso simpático.
— Como está? Sente-se aqui à minha beira — e indicou-lhe um dos lados da cama.
Andrew sentiu-se aflito, podia sujar a alvura das roupas com as suas calças de trabalho e dirigiu um olhar suplicante à irmã mais velha. Esta, porém, colaborou com o pedido.
— Esteja à sua vontade.
Por ironia, descontração e à-vontade eram sensações que ele não sentia. Sem outra solução, não teve outro remédio senão sentar-se. A irmã mais velha de Suzy sentou-se não muito distante, numa cadeira almofadada.
— Eu chorei muito quando caí abaixo do cavalo?
— Não... não... Foi até uma menina muito bem-comportada.
A jovem riu.
— Gostava de o conhecer, sabe? para lhe agradecer o que fez por mim e também para o apreciar.
Andrew sentiu um calor subir-lhe ao rosto. Estava a ser «fuzilado» por dois lados, pois os olhos negros estavam constantemente cravados na sua pessoa.
— Antes de vir pus-me a imaginar como você seria e agora confesso que suplanta tudo o que eu imaginei. Não é muito simpático, Helen?
— Então, Suzy, não deves dizer essas coisas, pois o senhor Jackson não fica à vontade — ralhou a mais velha.
— Ora. Não é crime dizermos o que sentimos e «mister» Jackson não se zanga, pois não?
— Não... Não... Porque havia de zangar-me?
Suzy soltou uma gargalhada apaziguadora.
— O papá disse-me que é um homem valente. Conte--nos a sua vida, «mister» Jackson.
— Suzy, este senhor veio a nossa casa visitar-te, muito amavelmente, e não o deves aborrecer — voltou a interromper a irmã mais velha.
— Está a ver, «mister» Jackson, está a ver? A minha irmã Helen está sempre a ralhar-me por tudo e por nada, e não se lembra que já tenho dezanove anos e sou, portanto, uma senhora...
Andrew conseguiu algum sangue-frio para dizer:
— Vejo, menina Suzy, que já está quase boa e dentro de pouco tempo terá esquecido o seu acidente. Peço-lhes desculpa, mas tenho de regressar ao povoado, vim aqui apenas de passagem, é possível que estejam à minha espera para resolver qualquer assunto — e levantou-se.
— Oh! Já vai! Mas promete vir à festa dos meus anos que o papá vai organizar? A Helen e eu teríamos muito prazer.
— A sua irmã... Bem, virei, terei o maior gosto em vir...
A terra americana é tão fértil em panorâmicas de rara beleza para os olhos daqueles que a sabem apreciar, que em qualquer parte o olhar se extasia diante de paisagens deslumbrantes.
Próximo de Newton City corria um regato que serpenteava por entre a densa vegetação, formando aqui uma cascata com as águas a caírem lá de cima em turbilhão; formando um branco rendado de espuma na base do rochedo, acolá; límpidas e serenas como um lago a onde o gado ia beber e a erva crescia viçosa, sempre emoldurado num colorido paisagístico que seduzia.
Eram estes os locais que mais agradavam a Andrew Jackson e que este preferia para os seus passeios.
Sentava-se sobre as raízes de uma das árvores altíssimas, defronte do curso de água, deixando o cavalo livre, e entregava-se aos seus pensamentos, às recordações dolorosas ou felizes que nunca o abandonavam. Refletia no que tinha sido a sua vida e meditava naquela parte da Declaração da Independência de quatro de Julho de mil setecentos e setenta e seis, que ele tinha decorado:
«São verdades incontestáveis para nós: que todos os homens nascem iguais, que o Criador lhes conferiu certos direitos inalienáveis, entre os quais o de vida, o de liberdade e o de buscar a felicidade.»
Andrew Jackson ainda não conseguira alcançar a felicidade e estava profundamente convencido de que já era demasiado tarde para o tentar. Trinta e nove anos de vida, sete dos quais ao serviço da Lei e da Justiça, haviam--lhe endurecido o coração e destruído a esperança de atingir esse dom tão caro ao coração dos homens. Por alturas dos seus vinte anos e num espaço de tempo que durara até próximo dos trinta, Jackson pensava, como todos os da sua idade, em abandonar aquela vida de aventuras e encontrar uma alma gémea da sua, com a qual fundaria o seu lar, primeiro passo para a felicidade. Depois, com o rodar dos tempos, apercebeu-se que não tinha feitio para aquelas coisas, que o seu coração estava demasiadamente empedernido para amar e que, principalmente, estava a ficar velho.
Agora ao perlustrar o que ia ser o seu futuro, via que estava só, tão só como o ermita que foge do contacto humano, a velhice a aproximar-se a passos agigantados... Trinta e nove anos! Num ápice atingiria os cinquenta, os sessenta e depois?...
Ou talvez não durasse tanto. O seu nome podia estar escrito numa bala de um pistoleiro e deixaria o mundo, abandonando o corpo caído sobre o pó da estrada, empapado em sangue. Quem sabe se seria já hoje, ou amanhã?... No Oeste o limite de uma vida não pode ser calculado pela saúde do seu corpo, mas sim pela sorte desse mesmo corpo em não encontrar uma bala disparada que o faça perecer.
Afugentando os seus pensamentos sombrios, um tudo--nada fúnebres, Andrew recordou-se do pedido que o banqueiro lhe fizera para que fosse visitar a filha, cuja propriedade ficava muito próxima dali e resolveu ir até lá.
Tinha simpatizado com a jovem ao sentir o seu peito arfar com os soluços, c ao ver as lágrimas deslizarem-lhe pelo rosto, enquanto comprimia os lábios para abafar os gemidos.
Foi buscar o cavalo e depois de montar dirigiu-se sem pressas para o rancho de «mister» Gradford.
Desde a entrada até ao edifício da habitação, o xerife foi perseguido por um cão preto que ladrava furiosamente, perante o desagrado do solípede que se sentia por certo incomodado.
Este alarido teve o condão de alertar os moradores da casa e quando chegou à porta já era esperado por uma mulher.
— «Trovão»! Aqui!
O canino calou-se e foi aninhar-se aos pés da dona.
— Desculpe, xerife, esta receção tão ameaçadora. O «Trovão» não sabia que o papá o tinha convidado a vir visitar-nos!
Andrew ficou tão perturbado ao fitar os olhos negros daquela mulher, que as palavras lhe morreram na garganta e quase ia caindo por meter mal o pé no estribo ao apear-se.
Não era muito nova, mas conservava ainda a frescura de uma juventude recente. Tinha fartos cabelos compridos a caírem-lhe sobre os ombros e o seu corpo era harmonioso. Mas aqueles olhos... não os podia fitar!
— Venha, minha irmã espera-o ansiosamente.
Amarfanhando desajeitadamente o chapéu nas mãos, Andrew seguiu-a. Se soubesse os tormentos de que ia ser vítima, teria recusado aquele convite.
A residência de «mister» Gradford estava mobilada com um requinte que Jackson jamais vira, de tal forma que começou a matutar se o banqueiro não se divertira à sua custa com aquela conversa no seu gabinete.
Entretanto, a filha do milionário introduziu-o no quarto da irmã.
— A minha irmã Suzy... O senhor...
— Jackson... Andrew Jackson...
A jovem que estava sentada na cama estendeu-lhe a mão livre, com um sorriso simpático.
— Como está? Sente-se aqui à minha beira — e indicou-lhe um dos lados da cama.
Andrew sentiu-se aflito, podia sujar a alvura das roupas com as suas calças de trabalho e dirigiu um olhar suplicante à irmã mais velha. Esta, porém, colaborou com o pedido.
— Esteja à sua vontade.
Por ironia, descontração e à-vontade eram sensações que ele não sentia. Sem outra solução, não teve outro remédio senão sentar-se. A irmã mais velha de Suzy sentou-se não muito distante, numa cadeira almofadada.
— Eu chorei muito quando caí abaixo do cavalo?
— Não... não... Foi até uma menina muito bem-comportada.
A jovem riu.
— Gostava de o conhecer, sabe? para lhe agradecer o que fez por mim e também para o apreciar.
Andrew sentiu um calor subir-lhe ao rosto. Estava a ser «fuzilado» por dois lados, pois os olhos negros estavam constantemente cravados na sua pessoa.
— Antes de vir pus-me a imaginar como você seria e agora confesso que suplanta tudo o que eu imaginei. Não é muito simpático, Helen?
— Então, Suzy, não deves dizer essas coisas, pois o senhor Jackson não fica à vontade — ralhou a mais velha.
— Ora. Não é crime dizermos o que sentimos e «mister» Jackson não se zanga, pois não?
— Não... Não... Porque havia de zangar-me?
Suzy soltou uma gargalhada apaziguadora.
— O papá disse-me que é um homem valente. Conte--nos a sua vida, «mister» Jackson.
— Suzy, este senhor veio a nossa casa visitar-te, muito amavelmente, e não o deves aborrecer — voltou a interromper a irmã mais velha.
— Está a ver, «mister» Jackson, está a ver? A minha irmã Helen está sempre a ralhar-me por tudo e por nada, e não se lembra que já tenho dezanove anos e sou, portanto, uma senhora...
Andrew conseguiu algum sangue-frio para dizer:
— Vejo, menina Suzy, que já está quase boa e dentro de pouco tempo terá esquecido o seu acidente. Peço-lhes desculpa, mas tenho de regressar ao povoado, vim aqui apenas de passagem, é possível que estejam à minha espera para resolver qualquer assunto — e levantou-se.
— Oh! Já vai! Mas promete vir à festa dos meus anos que o papá vai organizar? A Helen e eu teríamos muito prazer.
— A sua irmã... Bem, virei, terei o maior gosto em vir...
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